Bromance é amizade fecunda e intensa, mesmo entre homens como Wagner Moura e Lázaro Ramos

Já declarei que apenas respeito fidelidade no campo amoroso, fora desse compromisso sagrado advogo promiscuidades. Sou volúvel, demais. Leviano mesmo. Não me refiro às roupas, acho bobagem, mas à cada livro, à cada frasco de perfume, bom restaurante, vinho, álbum musical, filme ou peça de teatro, me apaixono irremediavelmente. No campo do consumo, sou daqueles que não prestam. Na hora, juro devoção eterna, mas traio ante a primeira mercadoria que me sorrir. Credo! Sabe, não me culpo de todo, pois viver dias tão plenos de seduções consumistas me faz evocar trocas constantes, e me sinto algo mais moderninho, atualizado, tudo up to date. Preside, contudo, de tempo em tempo, um quê culposo, mas dá e passa. Logo entrego-me à volúpia crônica.

Admito: sou uma contradição ambulante. Ao mesmo tempo apadrinho apoio irrestrito ao ambientalismo positivo, faço até doações para o Green Peace, mas… A favorecer meu lado freguês tenho como meta alcançável a certeza de que novos produtos ajudarão a melhorar minha performace – adoro escrever perfumado, julgo melhorar meus textos com computador novo, lançamentos de papelaria me escravizam. Tudo sob a chancela de reposições justificadas em supostas economias: de energia elétrica, de espaço físico, de melhor aproveitamento do tempo. E multiplico ilusões com a qualidade do ar, com o cuidado com a alimentação (ah, as panelas que dispensam gordura) e até com vitaminas. Enfim, justificações não me faltam e provo isso frequentando supermercados, shoppings atraentes, boutiques especializadas. E haja sistema de créditos, vale-compras e até pela entrega em domicílio…

Zygmunt Balman, autor do livro “Amor líquido”

Pois é, dava-me a esses devaneios quando, dia desses dei conta das alterações sentimentais nesta nossa “era das máquinas” e, perplexo, me perguntei dos limites propostos por Zygmunt Balman no livro “Amor líquido”. Pronto, estava formulado o teorema que me impôs aproximações entre a oferta de mercadorias e os sentimentos ou valores morais da chamada pós-modernidade. E me inquiri: os sentimentos íntimos teriam o mesmo prazo de velocidade nas reposições?

A meu favor, é importante dizer, por mais cheio de vontades que seja, mantenho resquícios de memória, afinal sou historiador de ofício. E então escavo no acervo de leituras marcantes alguns textos que funcionam como bússola. Entre os meus poucos autores permanentes C.S Lewis ocupa lugar especial e, de seus livros, “Quatro amores” desponta com loas. Dentre tantas definições de amor – desde os dicionários, livros religiosos e tratados filosóficos – a qualificação oferecida por esse autor irlandês acende luzes brilhantes. Lewis indica quatro tipos de amor: a afeição (Storge), a amizade (Philia), o amor romântico (Eros) e a caridade (Ágape). Até pouco tempo esse estoque de referências me bastava, mas eis que de repente deparei com um outro conceito que agora me aturde “bromance”.

Foi automático chamar Lewis à discussão, pois ele defende com empenho a amizade (Philia), mas ao contrapô-la com “bromance” entendi que há algo a mais. Antes, cabe dizer que a novidade do “bromance” decorre da junção de dois termos que se explicam em inglês “brother” e “romance”. A junção gerando algo novo não cabe na “philia” ou “amizade”, como também no sentido do “romance” ou “eros”. Cilada armada, restava entender o que seria “bromance” e assim os exemplos ajudam quando vistos pelo denominador comum das relações entre pessoas, homens, do mesmo sexo, seres que se atraem sem vínculos sexuais. Não tem, portanto, absolutamente nada a ver com homossexualismo. Nada.

Mestre Sebe não resistiu e colocou CS Lewis na discussão

Talvez a formação do termo permita melhorar a compreensão do neologismo. Acatando a radical como elemento básico que orienta o significado da palavra (“brother”), o fator secundário “romance” o suplementa. Então, em termos práticos seria algo além de “amor de irmãos”. “Bromance” é amizade fecunda, intensa, indispensável mesmo entre homens que não se vexam em vivê-lo. É bom insistir que nada tem a ver com ser ou não gay, aliás, ainda que seja também comum entre homossexuais, é no meio hétero que ganha sentido. E os exemplos se multiplicam seja na ficção (Batman e Robin), nos contos infantis (Elliot e ET), na vida real (Brad Pitt e George Clooney ou Lázaro Ramos e Wagner Moura).

Mais do que tema para filólogos, semiologistas, antropólogos, creio, vale aquilatar na invenção do “bromance” uma conquista dos tempos modernos. Foi preciso que o movimento gay, as conquistas do feminismo e o combate ao machismo se tornassem causas coletivas para que pudéssemos admitir a generosidade de tal sentimento. Vivas! algo bom surge na agenda dos comportamentos tão pobremente analisados. Uma questão final se levanta: será que este novo realinhamento dos sentimentos masculinos tem a ver com a já estabelecida “sororidade”, com o companheirismo exercitado entre mulheres? É bem provável que sim, pois é do ventre materno que os homens nascem e é com elas que germinamos o que de melhor ostentamos.