“Minha dor é um testemunho vivo desse amor e dessa conexão, e as perguntas foram um convite terno para reavaliar e alinhar minhas prioridades de vida, reconhecendo que, por vezes, compromissos inesperados nos testam, mas também nos convidam a reafirmar nossos valores mais essenciais e o lugar que eles ocupam em nosso coração”

É verdadeiramente profundo sentir essa dor familiar, essa pontada tão aguda de ausência. Longe de casa, em outro país, a ausência de um momento tão singular como o batizado do meu bisneto amplificou-se no peito. Minha conexão com a família é a mais íntima que conheço, e, cá entre nós, o privilégio de ser bisavô não é para todos; é um marco de vida, um legado de amor que se estende por gerações. Estar presente nesses ritos de passagem, que selamos com o carinho do toque e do olhar, é um desejo natural e profundo que eu, infelizmente, não pude realizar.

A vida, porém, é como um rio com suas próprias correntezas, por vezes impetuosas, que nos levam a encruzilhadas inesperadas. Meu trabalho estava planejado de maneira tão inadiável que simplesmente não podia faltar. Essa colisão entre o dever profissional e o anseio da alma familiar foi a fonte de reflexões importantes que me acompanham: seria a família mais significativa que o trabalho? Vale a pena abrir mão de instantes tão preciosos por compromissos profissionais?

Não há uma resposta única ou fácil para essas perguntas, pois a balança entre família e trabalho é incrivelmente pessoal e mutável ao longo da vida. Para mim, a família é o alicerce, o porto seguro que dá sentido a toda e qualquer conquista profissional, um ninho de afeto onde meu espírito encontra repouso. O trabalho, por outro lado, não é apenas sustento, mas uma vocação, uma forma de contribuir, de me realizar no mundo, e que, em última instância, pode até mesmo proporcionar os meios para o bem-estar e os sonhos da própria família.

  • No dia do batizado, resolvi ir à missa em uma igreja católica”

O que se tornou mais evidente para mim é a natureza da escolha e as consequências que dela advêm, não como punição, mas como parte da estrada da vida. Não estar presente no batizado do meu bisneto, por mais que tenha sido por motivos inadiáveis, gerou um vazio que ainda sinto. Mas o fato de eu estar refletindo sobre isso já demonstra a profundidade e a inabalável força dos meus laços familiares. Talvez, o “vale a pena” não esteja na resposta binária de “sim ou não”, mas na compreensão de que cada decisão envolve renúncias e ganhos, como a maré que leva e traz. Minha dor é um testemunho vivo desse amor e dessa conexão, e as perguntas que surgiram foram um convite terno para reavaliar e alinhar minhas prioridades de vida, reconhecendo que, por vezes, compromissos inesperados nos testam, mas também nos convidam a reafirmar nossos valores mais essenciais e o lugar que eles ocupam em nosso coração.

Essa experiência, embora dolorosa, acabou se transformando numa ponte sutil de afeto. No dia do batizado, resolvi ir à missa em uma igreja católica aqui nos Estados Unidos, buscando um pouco de consolo e reflexão, uma conexão espiritual que me aproximasse dos meus entes queridos. Ao final da celebração, meus olhos pousaram sobre a pia batismal. Aquela visão me tocou profundamente, quase como um abraço invisível. Era um símbolo universal de novos começos, de acolhimento na fé e na comunidade, um portal para a pureza da alma. Por um instante, imaginei meu bisneto ali, tão pequeno e perfeito, recebendo a benção e as águas que o integrariam à grande família humana. Fiz questão de tirar uma foto da pia batismal daquela igreja. É uma imagem simples, talvez inexpressiva para outros, mas, para mim, ela se tornou um elo precioso. É a minha forma silenciosa de estar um pouco mais perto, de reconhecer a importância desse rito sagrado, mesmo à distância, e de celebrar a vida que começa para ele com toda a ternura do meu ser. Essa foto guardada é um lembrete constante de que, mesmo com oceanos entre nós, meu coração e meu amor familiar permanecem inabaláveis e profundamente conectados.

“Ao final da celebração, meus olhos pousaram sobre a pia batismal… um portal para a pureza da alma”

Meu bisneto se chama Romeu. “Aquele que vem de Roma”… há algo de épico e belo nesse nome, que se ajusta perfeitamente ao rumo grandioso e, ao mesmo tempo, incerto, que desejo para o futuro dele. Mal sabia ele que, sem ainda saber andar, nasceu na Espanha e, com pouco mais de um mês, já se mudava para a Holanda, enquanto ouve português em casa, mantendo vivas suas raízes. É a globalização que costura com seus fios viajantes a roupagem do futuro, tecendo destinos surpreendentes. De certa forma, a polarização entre a vivência de um bisavô distante na hora do batismo e os caminhos inesperados dados ao bisneto sintetizam a complexidade e a beleza do que sinto agora. Que essa experiência, essa dor da ausência e a busca por um elo, seja uma metáfora viva do que significa amar e viver em um mundo que nos desafia a estar presentes de maneiras cada vez mais profundas… e criativas.