No ar, a estranha melancolia de um retorno. Voltar aos Estados Unidos, agora sob o manto da administração Trump, soava como pisar em um terreno conhecido, mas sob uma luz inesperada. Aquela rotina de passar pela polícia federal, sempre com a conferência minuciosa de dados, me deixava em estado de alerta. Minha vinda era, de fato, para uma série de conferências e contatos acadêmicos, mas a precaução, sussurrada por colegas experientes, ditava uma nova estratégia: declarar turismo. Menos perguntas, menos atritos. Para minha surpresa, o oficial encarregado, com uma agilidade notável, questionou a natureza do meu “turismo”. Respondi, sem hesitar, que buscava os shows da Broadway e passeios descontraídos. Deu certo.

Já em solo americano, pretendi reativar contatos com os muitos brasileiros que haviam sido a alma do meu livro “Brasil fora de si: Experiências de Brasileiros em Nova York”. A pesquisa, iniciada na década de 1990, permitiu-me acompanhar a vida de centenas de indivíduos que, impulsionados pelo “sonho americano”, buscavam a realização de suas aspirações. Um pedaço desse universo de histórias, inclusive, serviu de suporte para a novela “América”, de Gloria Perez, o que catapultou a visibilidade de uma realidade pouco explorada na cena nacional.

Minha curiosidade sobre o andamento dos “brasucas” era imensa, especialmente considerando que muitos eram “indocumentados”. A primeira coisa a chamar a atenção foi a notória carência de respostas às minhas mensagens, antes tão entusiásticas. Ao indagar dos porquês, um sinal doloroso se acendeu: medo. O medo tornara-se um fantasma onipresente, infiltrado em detalhes da vida daqueles que precisavam se esconder, temendo delações. A atmosfera de incerteza, amplificada pela retórica anti-imigração, criara uma rede de desconfiança que antes não existia, ou pelo menos não tão explicitamente.

As estratégias de encontros mudaram drasticamente. Se antes eu era convidado para cafés e churrascos em suas casas, agora os encontros eram em locais públicos e impessoais: igrejas, grandes magazines, ou estádios. E o mais intrigante: as pessoas deveriam nos identificar, não nós a elas. Uma inversão de papéis ditada pela cautela e pelo temor. Consegui alguns encontros e, confesso, doeu muito ver o pânico instalado em pessoas que relatavam histórias aterrorizantes de traições e vinganças. Uma tristeza palpável. O que vi é um desencanto profundo onde antes havia uma esperança quase irrestrita. Notava-se o desamparo de pessoas que planejavam uma experiência positiva, mas que agora, além da perda dos sonhos, viam a volta para casa como uma condenação. Muitos venderam tudo, fizeram empréstimos pesados, começaram a se organizar com filhos nas escolas e agora mal podiam sair de casa, vivendo sob o terror da deportação compulsória.

Quem trabalha com história oral de pessoas em vulnerabilidade se acostuma a ouvir tramas trágicas. No entanto, a cada novo relato, eu me enternecia, me compadecia da fragilidade humana diante de forças tão avassaladoras. O que se presenciava ali era um capítulo especialmente triste da aventura capitalista, que não se esgota em triturar subalternos com a exploração de mão de obra barata, mas agora os expulsa, deixando um vácuo de incertezas e desestruturação social. Surge o questionamento: quem substituirá essa mão de obra barata, disposta a trabalhos mal remunerados e de alto risco, em setores essenciais da economia americana? O desenho do futuro, mesmo para os cidadãos americanos, parece inseguro e incerto.

Isso nos convida a analisar o outro lado da moeda. Sempre convivi no ambiente progressista norte-americano, nas universidades. Nunca tive contato continuado com republicanos conservadores, mesmo tendo morado três vezes em lugares diferentes dos Estados Unidos, como Califórnia, Florida e Nova York, regiões com perfis políticos distintos. Mas a novidade agora é que a oposição, tradicionalmente entrincheirada nas universidades e nos círculos intelectuais, ganha força na medida em que os Estados Unidos se metem de maneira ainda mais ostensiva em dilemas internacionais, provocando reações e debates internos que antes eram mais restritos.

Este breve inventário de uma rápida passagem pela terra de Tio Sam convida a pensar no futuro das relações internacionais e pessoais. A experiência dos imigrantes, sob um governo que intensifica a retórica anti-imigração, é um termômetro das tensões globais. Ela nos lembra que a globalização não é apenas sobre o fluxo de capitais e mercadorias, mas também sobre o movimento de pessoas, suas esperanças e seus medos. A história desses “brasucas” em Nova York, outrora um hino à esperança, tornou-se um alerta sombrio sobre a fragilidade dos sonhos em face de políticas xenófobas e da ascensão de nacionalismos. A busca pelo “sonho americano” para muitos se transformou em um pesadelo, uma condenação à invisibilidade e ao medo constante. O que resta é uma profunda reflexão sobre o preço das oportunidades e a responsabilidade que as nações têm para com os indivíduos que buscam refúgio em suas fronteiras.