Futuro ex-presidente perderá foro privilegiado e não pode ser premiado com anistia

Faltam 56 dias para a posse do presidente Lula. Jair Bolsonaro pode fugir da cerimônia, mas não poderá levar a faixa para casa. Também terá que deixar para trás o palácio, as mordomias e a proteção do foro privilegiado.

A lei brasileira não oferece blindagem a ex-presidentes. De volta à planície, eles ficam ao alcance de procuradores e juízes de primeira instância. Nos últimos anos, isso abriu caminho para as prisões de Lula e Michel Temer. Em 2023, poderá chegar a vez de Bolsonaro.

Enquanto esteve no poder, o capitão fez de tudo para evitar o impeachment e fugir da polícia. No front político, comprou a cumplicidade do presidente da Câmara com os bilhões do orçamento secreto. No jurídico, nomeou um procurador-geral omisso e subserviente. Sem a proteção de Arthur Lira e Augusto Aras, ele terá que responder por seus atos. Não faltarão motivos para processá-lo e julgá-lo.

Só a CPI da Covid propôs o indiciamento de Bolsonaro por nove crimes. A lista vai de infração de medida sanitária a uso irregular de verba pública, passando por prevaricação e charlatanismo. Somadas, as acusações poderão resultar em penas de até 65 anos. Em janeiro, deverão ser remetidas à Justiça Federal de Brasília.

O capitão também poderá ser responsabilizado por crimes contra o Estado Democrático de Direito. No ano passado, ele sancionou a norma que substituiu a velha Lei de Segurança Nacional. Agora arrisca ser enquadrado no texto por sua pregação golpista contra as instituições e o sistema eleitoral.

Lula anunciou que governará sem revanchismo, o que significa que a nova gestão não se mexerá para punir Bolsonaro. Mas uma de suas promessas mais repetidas, a revogação dos sigilos de cem anos, deverá expor o adversário a problemas com a Justiça.

O futuro ex-presidente distorceu a Lei de Acesso à Informação para encobrir sua participação em escândalos. Num dos casos mais rumorosos, negou-se a informar quantas vezes os pastores Arilton Moura e Gilmar Santos o visitaram no Planalto. A liberação desses registros ajudará a esclarecer sua ligação com o balcão de propinas no MEC. O ex-ministro Milton Ribeiro já confirmou à polícia que recebia os dois trambiqueiros a pedido do chefe.

A remoção dos sigilos também fornecerá detalhes sobre a interferência de Bolsonaro em órgãos públicos para fins particulares. Ele avacalhou a Polícia Federal, a Receita e a Abin para salvar a pele do primeiro-filho. Depois emparedou o Exército para impedir que o general Eduardo Pazuello fosse punido por indisciplina.

O capitão ainda terá que responder pela enxurrada de crimes eleitorais que praticou na tentativa de se perpetuar no poder. A delinquência poderá torná-lo inelegível nos próximos pleitos, obrigando a direita a apostar em candidatos mais civilizados.

Por fim, Bolsonaro terá encontro marcado com duas ações penais que já tramitavam no Supremo antes de sua posse e foram suspensas graças à imunidade prevista na Constituição. O futuro ex-presidente é réu por injúria e incitação ao estupro. Ao fim do mandato, os processos serão remetidos à primeira instância.

Aliados do capitão já discutiram diferentes manobras para evitar que ele seja punido nos próximos anos. Temer chegou a propor uma “anistia do passado”, a pretexto de pacificar o país. O perdão aos crimes da ditadura foi o que permitiu o retorno do golpismo fardado. Um perdão aos crimes de Bolsonaro não pacificaria nada — só serviria como prêmio e incentivo à reincidência.