No aniversário do Esporte Clube Taubaté

Não tem jeito: falar em futebol me faz pensar em tanta coisa, mas a primeira e mais importante remete a uma pessoa, meu pai. Papai era “burrão”, calma, explico-me para quem desconhece minha história: sou do Vale do Paraíba e meu pai torcia loucamente pelo Esporte Clube Taubaté que, evocando a linha férrea Central do Brasil, adotou o burro como mascote, “o burro da Central”. E do time, meu pai sabia não apenas as escalações ano a ano, mas também os custos, duração dos contratos, procedências, idades e detalhes familiares, inclusive dos técnicos.

Papai nunca se contentou em ser frequentador dos jogos; não. Fez-se diretor e volta e meia levava alguns tipos para comer em casa, deixando minha mãe em apuros constantes. E quando ia aos estádios, fazia questão de ficar nos melhores lugares, custasse o que custasse. Sabe, havia certa soberania nisso. Em situações em que o jogo era fora da cidade, se não pudesse acompanhar a equipe, ouvia a transmissão pelo rádio, em casa e todos tínhamos que ficar em absoluto silêncio, ouvindo. Há um detalhe que não me sai da cabeça: com ouvidos colado ao aparelho, ele sentado com as pernas cruzadas, dava chutinhos a cada lance narrado contra o adversário. Como esquecer?

Gloriosa equipe de 1955

Tamanha devoção se fez consequente em toda família. Eu mesmo fui vítima do ardor paterno que me queria jogador. Quem me conhece sabe que não levo jeito para esporte algum, ainda que aprecie muitos. Pois bem, papai achando que “é em pequeno que se torce o pepino” resolveu que deveria compor o time de meninos do burrão. Creio que deveria ter uns 11 ou 12 anos quando, depois de anos de treinos em que pouco (ou nada) rendia, aconteceu um campeonato na cidade. Times de diferentes bairros deveriam disputar e com muito truque papai conseguiu uma vaga para mim “vendido” como atleta. O consentimento advinha do financiamento do time que me recebeu com todo mal humor cabível em troca das camisas, bolas e os deslocamentos de todos.

Agradar meu pai era como uma missão que assumia com convicção e no caso, por pior que fosse, ele me vendo em campo supunha um potencial Garrincha. O time me suportava mantendo-me escalado. A cada partida vitoriosa, meu pai renascia ´por pior que fosse minha atuação. Aconteceu que a tal equipe chegou (apesar de mim) à disputa do título. Em casa era um delírio só, situação avessa a do time que precisava ganhar e via em minha presença um empecilho quase que intransponível. Eu entendia os dois lados e num rompante de esperteza, achei uma solução. Disse ao meu pai que a presença dele na disputa final me deixaria nervoso e que poderia não render. Como o jogo seria transmitido pela rádio local, dada a mobilização, sugeri que, para a consagração geral, ele não fosse. Foi muito difícil convencê-lo, mas mediante a possibilidade da medalha ele concordou.

Logomarca de Maurício de Souza e batizada Alvinho por Renato Teixeira

Não me foi muito complicado negociar com outro “atleta”, menino jogador brilhante, que de muito bom grado se dispôs atuar com meu nome. Tudo combinado, o novo “José Carlos” entrou e brilhou, fez dois gols. Imagino meu pai ouvindo pelo rádio e dando os famosos chutinhos.

Tudo teria acabado por aí se não houvesse uma premiação. E se em mim não pesasse a consciência. Noticiada a vitória, papai pegou a família e foi para a entrega das medalhas. Sinto-me orgulhoso de, na hora H, ter revelado tudo. Chamei meu pai de lado, constrangido, chorando mesmo, contei-lhe a verdade. Tudo acabou bem porque como financiador do time ele também foi homenageado. Foi assim que me tornei dono desta história que é recontada no aniversário de 108 anos do meu Esporte Clube Taubaté.