Justiça entrega a área onde se localiza o asilo Casas Pias na quarta-feira, 24, e no dia seguinte, funcionários da Ergplan colocaram tapumes que impedem a visão da Capela tombada; avisado por nossa reportagem, prefeito Ortiz Júnior prometeu  tombar imediatamente o patrimônio (fotos de quinta 25 no final)

 

Uma cidade sem memória é uma cidade sem história. É isso que acontece com a terra de Lobato. Quem se lembra da chaminé da Embaré ao lado do supermercado Nagumo? A fome por lucro fácil que move o mercado imobiliário, particularmente as grandes empreiteiras, quase nunca leva em consideração o valor dos bens imateriais. Nesse caso, perguntado por nossa reportagem a razão pela qual a chaminé não fora preservada, o dono da construtora respondeu simplesmente que seu arquiteto não havia encontrado uma solução adequada. Ora, troque de arquiteto!
Mais grave ainda foi a festa em torno da chaminé derrubada. Parecia um bando de índios dançando alegres em volta de uma fogueira.

Fim previsível
No dia 23 de agosto de 2007, o então presidente da Sociedade São Vicente de Paulo (SSVP), Alexandre Gonçalves Mendes divulgou uma nota à imprensa declarando ter adquirido uma área de 20.000 m², próxima a Rodoviária Nova, no bairro Parque Paduan, onde seriam construídos 1.700 m², com capacidade para 80 internos.
Segundo Mendes, “transformou-se em um assunto aparentemente polêmico, por conta de detratores vadios sem caráter, que, agindo sempre à sombra, protegidos pelo anonimato, mas apodrecidos em suas entranhas, tentam conspurcar um trabalho sério (…)”
CONTATO apurou que a compradora tinha sido a construtora ErgPlan e que o proprietário da mesma foi procurado, mas não quis falar sobre o assunto.
O tempo passou, Mendes sofreu uma série de processos por motivos semelhantes, a venda de patrimônios da SSVP em outras cidades do Vale. E as novas diretorias da SSVP nunca desfizeram o negócio e recentemente a atual diretoria teria chegado a um acordo com a Ergplan.
CONTATO tem acompanhado de perto a saga da família Moura, proprietária legítima de uma grande extensão de terras, da qual o Parque Paduan teria uma parte. A escritura da família é do século 19. Portanto, a Ergplam pode ter construído um novo estabelecimento em um terreno grilado que teria sido usado como moeda de troca para adquirir o terreno da Casas Pias que vai da rua 4 de Março à rua Barão da Pedra Negra. Avisado por nossa reportagem, o diretor presidente da SSVP garantiu que estava fazendo um negócio legal.
Nessa disputa, um conhecido promotor público teria sido um dos responsáveis pela realização desse negócio quando despachou que não via qualquer irregularidade na transação. Opinião que foi aceita pelo juiz, que ordenou a saída do padre que residia na Casas Pias e permitiu que a Ergplan tomasse posse do imóvel. Essas autoridades parecem não possuir qualquer vínculo com a memória e a história de Taubaté.
Na quinta-feira, 25, houve uma reunião do Conselho Municipal do Patrimônio Histórico que decidiu por maioria de votos aprovar o tombamento da Casas Pias e a fachada da Corozita com todo o sistema auto cortante.
Com essa decisão, fica eliminado o prazo de 5 anos que havia no decreto de utilidade pública vigente. Além disso, a colocação de tapumes depende de uma autorização da Prefeitura.
O decreto de tombamento será assinado na sexta-feira, 26.

 

Daysi Mariotto da Silva reside em frente a Casas Pias há quase 87 anos

Daysi Mariotto da Silva reside em frente a Casas Pias há quase 87 anos

 

Memórias de dona Daysi
Em frente a Casas Pias, na rua 4 de Março, reside dona Daysi Mariotto da Silva há quase 87 anos, idade que ela completará no próximo 8 de junho. Inconformada com o que acontece em frente sua residência, ela conta que frequentava a igreja desde quando ainda se encontrava na barriga de sua mãe. Essa é a razão da tristeza que lhe abateu quando ela viu na quarta-feira, 24, um oficial da Justiça catalogando os objetos que se encontravam dentro da capela.
Como a senhora se sentiu? Nem me pergunte, é uma dor no coração. É como estivesse enterrando um membro da família (já perdi um filho com 19 anos).Todos os vizinhos estavam acostumados a frequentar a capelinha. Ali eu fiz catecismo, dei curso de catecismo, fui Cruzada da Eucaristia, filha da Maria, cantei no coral quando se chamava Casas Pias de São Vicente de Paulo. As freiras Franciscanas Missionárias de Maria tomavam conta de tudo. Mas o Papa criou uma casa ao lado para abrigar as freiras mais idosas e elas deixaram a Casas Pias.
A senhora sabe como começou o asilo? Ele foi formado para as viúvas que vinham com os filhos. Onde é o refeitório havia dois poços de água e quatro tanques onde as viúvas lavavam roupa para fora para se sustentarem.
A senhora conheceu esse casal da foto? Sim. Eles se conheceram aqui e se apaixonaram. (pela foto, o casal aparenta ter mais de 90 anos).
Quem doou esse terreno para ser Casas Pias? Foram vários: a família Guisard, a mãe do Emilo Amadei Behrings e até um parente meu teria doado. O asilo chegou a abrigar mais de 100 internos.
Hoje, o prédio encontra-se abandonado e o do Parque Paduan continua vazio.

Fotos clicadas na quinta-feira 25

Fachada da Casas Pias

Ironia de mau gosto

Tapume sendo colocado

Dona Daysi Mariotto, 87 anos, em frente ao portão da Casas Pias

Dona Dayse Mariotto no pátio da Casas Pias

Refeitório abandonado

Abandono geral

Dona Dayse na porta da capela com a foto de um casal de internos

Close do casal de idosos que se apaixonaram e casaram na Casas Pias

Dona Dayse ao lado de uma das árvores centenárias que ainda existem

Capelinha quase centenária cercada de prédios que a ameaçam

Casas pias vista da Rua 4 de Março