Qualquer processo eleitoral é exaustivo. O longo período de apresentação dos candidatos, debates sobre programas, acusações recíprocas alongadas até o dia da votação, e depois a publicidade dos resultados com suas (in)conformidades, tudo nos exaure. Às vezes me dou ao luxo de questionar se além da inegável afirmação democrática há outras vantagens. No caso presente, sem dúvidas, a revelação de quem é quem ganha foros de posicionamentos explícitos e assim, pelo menos, ficamos sabendo de quantos saíram do armário político.

Intensificando a caça ao tal lado bom da questão, aprende-se também sobre os limites estreitos de nossa (in)tolerância. Sim, somos muito mais intransigentes do que supomos na placidez dos dias comuns. Admitamos, há algo de radical no coração de cada um de nós.

Eu, sinceramente, nunca pensei em ter que domar publicamente minhas indignações. Por graça de filtros interiores, tenho dosado impulsos e vou exercitando meu melhor ângulo educado. Ainda assim, essa hercúlea diligência não anula a perplexidade frente a parentes e colegas que, imagino, não poderiam defender as pautas que ostentam. São pais contra filhos, amigos de infância contra amados, vizinhos que se rejeitam. Rompimentos… Cancelamentos… Desafetos…

Mas isto seria novidade? Antes não era assim? E não vale apenas medir a temperatura pelo “achismo fácil” que, aliás, credita ao momento presente a altura dos tempos. O problema é velho. Em termos técnicos, por exemplo, existe um grupo dedicado a entender toda essa movimentação além do imediato. Componentes acadêmicos do “Grupo de Estudos Eleitorais Brasileiros” (ESEB), desde a década de 1970, têm se debruçado sobre o tema. Modernamente, o teorema defendido em 1957 por Anthony Downs – sobre o “eleitor médio” – tem servido de parâmetro para explicar o distanciamento entre duas partes do mesmo todo. Diz aquele economista que há nas maiorias uma busca natural pelo centro. Segundo tal pressuposto, na medida em que falham os argumentos aglutinadores, uma disputa se impõe anulando o senso comum.

Anthony Downs:  o “eleitor médio”  explica o distanciamento entre duas partes

Quem trabalha com memória de expressão oral identifica de outra maneira os resíduos afetivos capitalizados pelas figuras públicas. É quando manifestações subjetivas atuam de maneira a sugerir preferências emocionais. A memória – individual ou social – funciona então como uma espécie de reserva de afetos armazenados. Uma das dimensões de quantos professam essa corrente sonda, no campo político, as referências aos candidatos. É quando a afeição se manifesta como expressão de valores essenciais. Figuras gostadas são conhecidas pelos “nomes do coração”, ou seja, pela designação familiar, algo como José ou Maria. Os amados de verdade, aqueles benquistos além da conta, ganham diminutivos carinhosos como Zé, Zézinho ou Maria ou Mariazinha. Há graduações sutis nessas alusões. Muitas vezes, em lugar dos primeiros nomes, apelidos meigos afloram convocando paradoxos contraditórios.

Conheço, por exemplo, casos em que “mosquito”, “garnisé”, “boi”, “cadela”, se amiúdam de maneira afável, não como ofensa.

Em termos políticos o caso de Getúlio Vargas serve de exemplo que potencializa preferências distribuídas por fases variadas de sua longa atuação na cena nacional. Em situações democráticas, eleito, era chamado de Getúlio, ou mesmo de “velhinho” (“o sorriso do velhinho faz a gente trabalhar”, dizia o jingle da campanha de 1950). Já nos turnos ditatoriais, era solenemente Vargas, ou mais grave, Presidente Vargas. Nos braços do povo, quantas vezes não era referido como “Gegê”?! Com igual força ganha relevo outra situação igualmente emblemática, a de Juscelino que em diversas situações passou por vários acolhimentos: só Juscelino, Nonô, JK e sempre Kubistchek pelos adversários.

A proposta tem complexidades merecedoras de cuidados: alguns nomes são colocados em observação constante e impõem-se de maneira autoritária, exigindo inclusive, além do registro civil, seja adicionado o sobrenome: José Serra, Fernando Collor de Mello, Sergio Cabral Filho.

ACM (Antônio Carlos Magalhães) e FHC

Na mesma linha, convém colocar os famosos por se conferirem pela sobriedade dos sobrenomes, ou nomes de família: Palocci, Guedes, Meirelles. Todos os ditadores, sem exceção, são identificados pelos sobrenomes: Costa e Silva, Médici, Figueiredo, Maduro, Chaves. É curioso que mesmo alguns eleitos invocam a solenidade do sobrenome: Dutra, Trump, Temer, isso, diga-se, revela cerimônia e distanciamento.

Convém lembrar que há enigmas, casos que serão julgados pela história e assim cita-se por notável o caso de FHC e ACM que, aliás, deixa rastro alongado em seu neto. De toda forma, há de se relevar a importância da memória plenificada de afetos, e, mais que isso como a política revela nossa alma. Aliás, como você se refere ao candidato que vai merecer seu voto?