O país assistiu a um espetáculo inédito no próprio Palácio do Planalto

Prestes a ser demitido em meio a uma pandemia, o ministro da Saúde foi ao Planalto e escancarou suas divergências com o presidente

Em Brasília, uma demissão mal executada pode promover o demitido. Em 2008, Marina Silva fez da saída do governo Lula uma queda para cima.

Pressionada a afrouxar a política ambiental, ela avisou que perderia o pescoço, mas não perderia o juízo. Antes de ser chutada, entregou o cargo e garantiu uma vaga na sucessão presidencial.

Luiz Henrique Mandetta não pediu para sair, mas também deixará o governo maior do que entrou. Torpedeado por Jair Bolsonaro, o ministro da Saúde se recusou a entregar a cabeça numa bandeja. Preferiu denunciar a sabotagem e transferir ao presidente o ônus da degola.

Ontem o país assistiu a cenas inéditas. Prestes a ser descartado, o ministro resolveu escancarar as divergências com Bolsonaro. A demissão anunciada virou espetáculo midiático. Ele expôs as razões da queda no Palácio do Planalto, com transmissão ao vivo na TV.

Diante das câmeras, Mandetta afirmou que a pressão do chefe contra a política de distanciamento social é “uma coisa pública”. “Ele claramente externa que quer outro tipo de posição do Ministério da Saúde. Baseado em ciência, eu tenho este caminho para oferecer. Fora desse caminho, tem que buscar alternativas”, disse, sugerindo a própria saída.

Bozo e Mandetta

Tempos que não voltam mais: troca de sorrisos sob o olhar do vice-presidente

O ministro foi claro: quem combate o isolamento joga a favor da doença e ajuda a disseminar o coronavírus. Com isso, colabora para aumentar o número de vítimas. “Rio e São Paulo são duas cidades que relaxaram. Vão pagar o preço”, avisou.

Sem nada a perder, Mandetta aproveitou para estocar alguns de seus algozes. “Nós não somos astrólogos, não fazemos previsões”, provocou, numa alusão ao guru bolsonarista Olavo de Carvalho. Em outro momento, ele debochou das teses do deputado Osmar Terra, que rasteja para ocupar sua cadeira.

Para definir Bolsonaro, o ministro preferiu o discurso indireto. Numa frase ensaiada para os telejornais, ele disse que milita em defesa “da vida, do SUS e da ciência”. Ao riscar a linha que divide o campo, deixou claro que o presidente joga no lado oposto.