A Ergplan Construções e Incorporações Ltda insiste na disputa judicial sobre uma área de 38 alqueires paulistas, conhecida como Parque Paduan, utilizada para pagar o terreno localizado em área nobre de Taubaté que vai da rua Quatro de Março à rua Barão da Pedra Negra, nas proximidades da Reitoria da Unitau

 

A área onde se localizava a Casas Pias criada em 1908 entre as ruas Quatro de Março e Barão da Pedra Negra é muito valorizada pelo mercado imobiliário. Talvez esse tenha sido o grande “crime” cometido pelos idosos que desfrutavam, mesmo que de forma precária, um fim de vida mais digno, conforme idealizou a família Guisard quando fez a doação do terreno.

Em março de 2012, com mais de 103 anos de atividade em Taubaté, o centro de idosos fechou definitivamente suas portas. Na ocasião, administrada pela SSVP (Sociedade São Vicente de Paulo), a unidade que abrigava idosos carentes teria uma dívida considerada impagável, sem diretoria e com o prédio interditado pela Vigilância Sanitária Estadual. Com capacidade para abrigar cerca de 115 idosos, atendia apenas uma média de 30 pessoas.

Em julho de 2011, o asilo foi alvo da inspeção da Vigilância Sanitária Estadual porque foi detectado grande volume de rachaduras nas paredes e acúmulo de mofo nas instalações. Porém, por falta de dinheiro e a proibição de obras pela Justiça devido a um processo judicial de 2010, as reformas para solucionar o problema das rachaduras não foram executadas.

Os velhinhos carentes restantes foram distribuídos para unidades de Tremembé e de São Luís do Paraitinga. Quando fechou, 17 velhinhos carentes ainda se encontravam no asilo.

Em agosto de 2015, a Ergplan entregou à Prefeitura um esboço de Projeto de Requalificação Urbana – Quadra SSVP (Sociedade São Vicente de Paulo, para aárea da Casas Pias. O documento apresentado não traz o nome do autor ou responsável pela proposta que visa restaurar a capela do asilo com dois acessos: um pela rua 4 de Março e outro pela rua Barão da Pedra Negra, preservar apenas uma das casas que abrigavam os idosos. O secretário de Negócios Jurídicos acrescentou que a Ergplan teria se disposto a participar da restauração da Villa Santo Aleixo ou fazer uma doação para tal fim.

 

Novas instalações da Casas Pias construídas em terreno sub judice

Novas instalações da Casas Pias construídas em terreno sub judice

 

Proposta inaceitável

A arquiteta Livia Vierno teve acesso à proposta da Ergplan a respeito da Casas Pias. “Nem um estudante de arquitetura faria um projeto tão ruim. Parece coisa de colegial”, resumiu, chocada com a péssima qualidade do esboço.

Livia aponta alguns erros grosseiros. “A lei de preservação do entorno de imóveis tombados prevê pelo menos 3 vezes a largura e uma vez o comprimento em que nada pode ser construído. Essa lei foi criada e aprovada no governo do então prefeito Antônio Mário Ortiz. Mas não tem sido respeitada.

Livia retoma a palavra: “Além disso, a frente do patrimônio tem que ter visibilidade para a rua principal, no caso a rua 4 de Março, e a casa que querem preservar não é representativa, não contribui para preservar a memória e ainda denigre sua imagem. É puro fachadismo. A casa só faz sentido com o conjunto”. Fachadismo é um termo usado em restauração de forma negativa.

Estudiosa e com expertise no assunto, a arquiteta aponta ainda a ausência de autoria, de embasamento teórico e de qualquer justificativa em defesa da proposta apresentada. Essa opinião é reforçada pelos estudos de casos apresentados que não têm qualquer sintonia com a realidade da Casas Pias diante da necessidade de preservar seu entorno levando-se em conta o gabarito do imóvel.

Sobre a prometida ajuda para recuperar a Villa Santo Aleixo parece uma gentileza feita com chapéu alheio porque já existe um acordo judicial no qual a empresa Transmar se compromete a arcar com os custos da restauração do patrimônio da Villa Aleixo em troca de um terreno já cedido pela Prefeitura.

 

Obras do estande de venda  embargadas

Obras do estande de venda embargadas

 

História
Crise e processo judicial
Em 2009, a SSVP fez uma permuta com a Construtora Ergplan para transferir o asilo para o bairro Parque Paduan. A Sociedade cedeu à empresa a área na rua Quatro de Março, em troca de uma nova sede no Parque Paduan. A pedido do Ministério Público, que ingressou com ação em 2010, a Justiça determinou a suspensão do acordo. O processo ainda está tramitando.

Em 2009, os problemas financeiros teriam se agravado depois que a direção anterior negociou o terreno da entidade. Instalada em uma área nobre de Taubaté, o terreno chamou a atenção de construtoras. A SSVP fez uma permuta com a Ergplan para transferir o asilo. O caso chamou a atenção do MP, que entrou com uma ação.

Em abril de 2014, CONTATO publicou a história de um casal de idosos cuja esposa é herdeira única da antiga Fazenda Ronda Grande com mais de 100 alqueires de terra. A herdeira Ivone Moura, de 86 anos, é casada com Célio Alves. Ambos sobrevivem com apenas um salário mínimo cada um e por causa disso não têm recursos para pagar os custos de ações judiciais movidas por grileiros de toda espécie.

A reportagem contou que a Ergplan Construções e Incorporações Ltda, que desde junho de 1982 atua no mercado da construção civil no Vale e na Serra da Mantiqueira tem sido um dos protagonistas com uma postura incompatível com o mundo civilizado. A prova seria a iniciativa por parte da Prefeitura que embargou as obras da Ergplan no Parque Paduã, exatamente sobre uma parte das terras da família do casal de velhos. Uma prática que não se coaduna com a história da empresa que “acumulou larga experiência na construção de edifícios residenciais, comerciais, loteamentos horizontais e instalações industriais”.

 

Dona Ivonne de Moura Alves, segurando foto do pai, é a única herdeira dos 38 alqueires no Parque Paduan

Dona Ivonne de Moura Alves, segurando foto do pai, é a única herdeira dos 38 alqueires no Parque Paduan

 

Na ocasião, foi realizado um Boletim de Ocorrência em que Célio Alves declarou: “que não aguentava mais sofrer ameaças, intimidações e agressões verbais por parte do agressor proprietário da. Ergplan e seus funcionários que continuamente comparecem na área de sua legítima propriedade [que se encontra]em inventário e tentam invadir e expulsar o pessoal que lhe mantém a posse da área dentre elas o Sr João Barbosa dos Santos, o qual tem criação de gado no local”.

Célio Silva contou à nossa reportagem que teria sofrido tentativas de pressão psicológica com ameaças e intimidações a ele e sua esposa sem apresentar documentos que comprovasse que a Ergplan fosse a legítimaproprietária da área.

Na mesma ocasião, Célio contou que foi avisado que funcionários da empresa estariam invadindo a propriedade de sua esposa, que se encontra sub judice na 2ª Vara Cível, processo 625 01 2008 015 809. Porém, naquele 03 de abril o processo teria retornado à capital paulista. Para ele, Célio, a família Moura Alves acredita que esse fato tenha precipitado a inciativa da empresa.

No dia seguinte tiveram início cenas dignas de filmes de faroeste com funcionários da empresa invadindo a área e arrebentando as cercas. Funcionários da empresa teriam procurado João Barbosa dos Santos e o teriam ameaçado para que retirasse seu gado da área, caso contrário, eles, funcionários, o retirariam “na marra”. Diante do relato de João, Célio, esposo da herdeira, registrou o Boletim de Ocorrência (BEO379742/2014).

Seu João, como é conhecido, arrenda há mais de 25 anos aquelas terras de dona Ivonne de Moura Alves para criar gado. Suas 40 cabeças estão bastante reduzidas depois que começou o atrito com a Ergplan. Seu João contou que a mangueira onde retirava leite foi destruída por máquinas da empresa. Ainda hoje podem ser vistos restos da alvenaria.

Depois de algum tempo chegou outra viatura da PM com um sargento e um soldado. O militar teria recomendado que providenciassem o conserto da cerca porque, caso o gado fugisse para a rua a situação poderia piorar para a advogada e para a empresa. Recomendou ainda que paralisassem a obra e que todos seguissem para o 3º DP. Mas o BO não foi registrado.

Quando Célio retornou, a área se encontrava tomada pela Ergplan. Ali, os funcionários ouviam da gerente Rita e da advogada que a polícia havia mandado que Célio se retirasse do local.

 

A retomada

Diante do impasse, num fim de semana Célio reuniu alguns amigos que se dispuseram a ajudá-lo na retomada da área. Adquiriram mourões e arame farpado, num domingo repuseram os mourões, reconstruíram a cerca e a fecharam com um cadeado. A chave foi entregue a João como é feito há muitos anos.

Dessa vez, foi a Ergplan que chamou a polícia. O sargento PM que ali compareceu imediatamente observou a placa da família Moura Alves informando que a área encontrava-se sub judice e o número do processo que corre na 2ª Vara Cível. Ordenou a paralização da obra e conduziu todos para o 3º DP.

O delegado de plantão, Jorge Miguel de Andrade, depois de se inteirar do acontecido teria ouvido da advogada da Ergplan que a empresa seria proprietária exibindo um documento que comprovaria. Imediatamente, alguém da família de Célio contestou afirmando que se tratava de uma matrícula montada.

Diante da manifestação da família Moura, a advogada fez um movimento para guardar o documento em sua bolsa, porém, o delegado teria solicitado que ela lhe entregasse. Diante da recusa, a autoridade insistiu e só teria sido atendido quando ele manifestou seu descontentamento. Assim que recebeu os documentos das duas partes, o delegado entregou-os para o escrivão pedindo para que fossem periciados.

 

Obra irregular

Na ocasião, nossa reportagem esteve na secretaria de Planejamento para saber a respeito da situação da área reivindicada pela família Moura e ocupada pela Ergplan. A resposta foi que não existia qualquer projeto aprovado pela municipalidade naquela área. Se houvesse alguma obra seria uma iniciativa irregular.

Essa situação se arrasta há anos, desde que o Oficial de Registro de Imóveis. Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica informou ao juiz da 5ª Vara Cível de Taubaté, Processo 663/08 em Ação de Usucapião, cujo requerente é Guilherme de Moura (espólio). Segue a transcrição literal:

“Tenho a honra de informar a Vossa Ecelência, nessa ação de usucapião sobre o imóvel composto pelo terreno com frente para a Rua Chapeuzinho Vermelho, s/n°, Parque Paduan, no perímetro urbano, não oriundo de parcelamento irregular, que: [o] titular de domínio: Guilherme Antonio de Moura (transcrição n° 6438-L3G-1ª Série).” Em seguida, traz os nomes de 78 “confinantes tabulares”. Ou seja, os proprietários dos imóveis que se limitam com a área sob o domínio do espólio.

A documentação elimina qualquer dúvida sobre a justeza das reivindicações da família Moura.

A Ergplan, até hoje, se recusa a dar sua versão sobre o episódio. Permanece embargada a construção de uma central de vendas da Ergplan dentro da propriedade sub judice por falta de aprovação por parte dos órgãos competentes.