Para Ivan Leite

Eu gosto e muito. Muitíssimo, diria. Sempre gostei de flores, mas houve um tempo (confesso até meio envergonhado) que nutria pudor em ostentar. Escondido, moço com necessidade de exibir a masculinidade internada em minha timidez, cultivava uma pequena variedade no quintal de casa. E era uma explosão de alegria a cada rebento: rosas, violetas, cravos e mais: cravinas, margaridas, amor-perfeito. Beijinhos se fartavam e presidia especial cuidado para com as orquídeas (pedantes e parcimoniosas). Havia certo tempero com beterrabas, cenouras, chuchu (que exageravam ocupando espaços limitados). E nem faltavam limões, abacates, mangas. Diria que era um jardineiro recôndito, mas em festa, uma espécie de dono de um Jardinzinho de um Eden interiorano. Nossa, era feliz e sabia disso!…

O tempo se cumpriu, mudei de casa para apartamentos e, em espaços a cada vez menores, fui dando um jeito de me amoldar, adaptando as flores e folhagem: cactos, rosinhas, vasos temporários se juntavam a outros permanentes. Mantive os eternos antúrios de minha saudosíssima mãe e dela também cuidei de preservar as espadas-de-São Jorge, samambaias e avencas: herança abençoada. Ah, mantenho o velho comigo-ninguém-pode e a costela-de-Adão, recordações fertilizadas pelo coração interiorano que insiste bater em meu peito.

Não. Não deixo flores de plástico entrar em minha casa. Bonsai jamais, pois morro de agonia só em pensar em comprimir as raízes que de outro jeito seriam “normais”, coitadinhas. Também não gosto de “terrários florais”, prática esdruxula de colocar as pobrezinhas dentro de recipientes de vidro transparente. Credo… Se critico de peixinhos nos aquários, que diria de plantas…

Confesso que uma vez não consegui agradecer um ramalhete de flores secas, aliás, acho que fui grosseiro com a vizinha que queria me agradar. Da mesma forma, fui ríspido com um amigo que me presenteou com livros sobre flores para meditação. Sabe, sou naturalista desbragado, gosto de flores livres, livres de verdade, mesmo que acanhadas em espaços apertados ou em vasos. E converso muito com elas… Tem uma, que leva o nome de minha amada, com quem confidencio tudo, tudo. Pode?

Tenho notado mudanças culturais e exalto meu entusiasmo ao reconhecer que mais homens começam a exibir preferencias floreiras. Há mesmo um gozo vingativo em saber que até machões assumidos mostram-se felizes recebendo flores e que passam a compor listas de agradecimentos públicos. Alguns, aliás, até demonstram gestos de cortesia amistosa e retribuem com mais flores. Vale lembrar que tal libertação é conquista permitida pelo movimento feminista. Ave, pois, mulheres florescidas que legaram exemplos! Eu mesmo lembro-me de certa ocasião – era meu aniversário – e estando em aula na faculdade, fui surpreendido por alguém que, sabedora de minha paixão por rosas amarelas, caprichou num arranjo atrevido, recebido sob aplausos calorosos dos alunos.

Mas em mim tanto cresceu o tema das preferências de flores que dia destes me surpreendi listando frases sobre o tema, e eis algumas (poucas):

“Sou entre flor e nuvem. Por que havemos de ser unicamente humanos?” Cecília Meireles.

“Você vai rir se lhe disser que estou cheio de flor e passarinhos… Que nada do que amei na vida se acabou: e mal consigo andar tanto isso pesa”. Ferreira Gullar

“É de mágica que eu dobro a vida em flor…” Los Hermanos

“Quando você gosta de uma flor, você a arranca. Quando você ama uma flor, você a cultiva”. Buda

“Sinto urgência em ser feliz e por isso quero o dom de agarrar a tristeza e trans(FLOR)má-la em canção”. Wanderly Frota

“Fez-se uma pausa no tempo, cessou todo meu pensamento e como acontece uma flor também acontece o amor… Assim, sucedeu e foi tão de repente que a cabeça da gente vira só coração”. Tom Jobim

“Uma flor nasceu na rua!… É feia. Mas é flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio”. Carlos Drummond de Andrade

“Paciência: é o intervalo entre a semente e a flor”.              Ana Jácomo

“Fiz a escalada da montanha da vida removendo pedras e plantando flores”. Cora Coralina

Pois, é, eu teria um canteiro completo de menções floreiras; vale dizer mais: teria um bosque, uma floresta mesmo com outras tantas frases, poemas, canções, mas resumo elogios com a indicação da mudança cultural provocada, depois de séculos, pelo gosto masculino pelas flores. Parece que a delicadeza e o reconhecimento da beleza conseguiram fertilizar o gênero que antes, e no máximo, apenas ofertava. E saúdo o novo homem que renasce em nova caminhada, com flores nas mãos, na cabeça, no coração e nas estradas da vida.