Ainda tem muita gente que tenta esconder a luta de classes que permeia nossa realidade
Alguns amigos me consideram um catastrofista. Pode ser. No famoso 8 de janeiro eu temia que o golpe fosse vitorioso. Felizmente, não passou de um tiro no pé. Hoje assistimos na TV a confusão em que um grupo de militares se meteu. E não são meros soldadinhos. Tem generais, brigadeiro e almirante acompanhados de coronéis, tenentes coronéis e majores. O único capitão era o líder maior. No exército, entretanto, capitão é enquadrado como baixo oficialato. Curiosidade militar.
Em 1964, o golpe foi vitorioso. Eu diria que nem mesmo seus idealizadores acreditavam no passeio que se transformou antes de virar um inferno. Conta a lenda que em 1930 Getúlio Varga desmontou de sua montaria no centro do Rio de Janeiro. Era a prova maior de sua revolução, mesmo que nunca tenha ocorrido. O que vale é a versão.
Foto que ilustra a lenda sobre Vargas apear no centro do Rio de Janeiro em 1930
General Olímpio Mourão era comandante da 4ª Região Militar em Juiz de Fora em 1964. No dia 31 de março ordenou que suas tropas marchassem em direção ao Rio de Janeiro, ainda capital de fato do Brasil. Nem Mourão sabia o que de fato ocorria. Jango foi deposto e teve início a noite de 21 anos. Imagine a influência desse ato na cabeça de jovens oficiais. Felizmente conseguimos evitar (ou atrasar?) mais uma vitória de um movimento comandado por militares saudosistas. Mas, infelizmente, o pesadelo ainda não terminou. É aí que mora o perigo.
A razão é de difícil explicação, mas de fácil entendimento. A movimentação do Parlamento em busca de um confronto aberto para assumir o governo de fato – poder Executivo – pode ser interpretada como a hora da onça beber água. Ou seja: um momento decisivo e perigoso, geralmente associado a uma situação de risco ou tomada de decisão importante. Sua origem vem do hábito da onça-pintada de beber água ao cair da noite, um momento em que ela está mais vulnerável, mas também mais alerta para caçar.
É uma expressão usada para descrever um ponto crítico onde é preciso ter cautela e atenção. Pode ser o momento em que a decisão tomada pode ter consequências significativas capazes de alterar o rumo da história. Enfim, um momento de grande risco e importância.
General Mourão Filho e Magalhães Pinto, governador de MG em 1964
Acossado, presidente Lula (PT) tem sentido a pressão, arregaçou as mangas e entrou na briga ao afirmar em alto e bom som que “o papel do Parlamento é legislar e o do Executivo é governar. Cada macaco no seu galho”. Deu até para sentir o cheiro de pólvora ainda não queimada no ar. E não falta gente para colocar mais lenha nessa fogueira.
A polarização está escancarada. Assim como a luta de classes. Mas as duas partes tentam encontrar adjetivos para esse confronto. Curiosamente, o IOF – Imposto sobre Operações Financeiras – criado pela Lei 5.143, de 1966, para substituir o Imposto sobre transferência para o exterior, foi colocado como o grande causador desse impasse. Inicialmente, este imposto era cobrado sobre qualquer transferência financeira nacional ou internacional. Hoje, incide desde as compras internacionais até operações de crédito e câmbio.
Apesar de ser um ilustre desconhecido pelo povão, o IOF foi incorporado na linguagem popular como a causa de todos os problemas. Ele foi instituído com duas finalidades principais: fiscal e regulatória. Do ponto de vista fiscal, ele contribui para a arrecadação de recursos para o governo federal. Já do ponto de vista regulatório, o IOF é utilizado como um instrumento de controle da economia como ajustar a oferta de crédito, influenciar o mercado de câmbio e até controlar o consumo. E os parlamentares enchem a boca para dizer que se trata de uma ferramenta regulatória e não de fonte de arrecadação.
O Capitão entre os generais Augusto Heleno e Braga Neto no banco dos réus
A Faria Lima não admite que parte desses recursos se destinem ao governo federal e Brasília não abre mão do direito constitucional do uso de decretos legais estabelecidos pela Constituição.
O Congresso não admite ser acusado de defensor dos ricos e o governo federal não aceita ser classificado como aumentador de impostos.
Acontece que no meio dessa confusão existe um pequeno e recorrente problema da nossa sempre ameaçada democracia: estamos a pouco mais de um ano das eleições em 2026. E a Faria Lima já tem seu candidato para tentar derrotar a quarta vitória de sapo barbudo dos anos 1970 e 1980.
Quando criança, quando havia um impasse entre dois moleques, fazia parte da paisagem alguém esticar o braço com a mão espalmada e lançar o desafio: quem for homem cospe primeiro. Era a hora da onça beber água.