Ao Ney sentado na ponte, sem dor de consciência

Depois de comparar o Chile à Suíça, Paulo Guedes reclamou que os pobres brasileiros não poupam dinheiro. A frase faz lembrar Justo Veríssimo, o célebre personagem de Chico Anysio

O ministro Paulo Guedes costumava descrever o Chile como um paraíso nos trópicos. “O Chile hoje é como uma Suíça”, derramou-se, ao apresentar seus planos ao jornal britânico Financial Times.

As ruas de Santiago estão em chamas, mas o ministro parece achar que o problema são os manifestantes. Em entrevista à “Folha de S.Paulo”, ele sugeriu que os chilenos reclamam por “tolice”. “Isso é coisa de gente presa no passado”, desdenhou, referindo-se aos protestos contra o modelo neoliberal.

Na visão de Guedes, também é “tolice” criticar o regime de capitalização, que ele tentou replicar por aqui. O sistema de aposentadorias lidera o ranking de queixas dos chilenos. De acordo com pesquisa do instituto Termómetro Social, 95,5% querem mudanças para aliviar a vida dos idosos.

Se fosse consultado, o ministro estaria entre os outros 4,5%. Ele sustenta que a fórmula rejeitada no Chile “educaria financeiramente” os pobres no Brasil. “Um menino, desde cedo, sabe que ele é um ser de responsabilidade quando tem de poupar. Os ricos capitalizam seus recursos. Os pobres consomem tudo”, afirmou.

Paulo Guedes

Ministro Paulo Guedes insiste no modelo econômico falido do Chile

No mês passado, o IBGE informou que metade dos brasileiros sobrevive com R $413 por mês. Essa é a realidade de 104 milhões de pessoas, o equivalente aseis Chiles ou 30 Uruguais. Entre os 5% da base da pirâmide, o rendimento mensal cai para míseros R$ 51.

Ao sugerir que os pobres não guardam dinheiro porque não querem, Guedes lembra Justo Veríssimo, o célebre personagem de Chico Anysio. Não chega a ser surpresa. O ministro já tentou reduzir o benefício pago a deficientes de baixa renda, defendeu o fim do abono salarial e propôs o fim do gasto mínimo com saúde e educação.

À “Folha”, Guedes repetiu outra tese exótica. Disse que o Brasil passou os últimos 30 anos sob governos de centro-esquerda, incluindo no balaio as gestões Collor e Temer. “Dá pra esperar quatro aninhos de um liberal democrata?”, questionou, referindo-se a Bolsonaro.

O ministro viveu no Chile durante a ditadura do general Pinochet, quando aceitou dar aulas numa universidade sob intervenção militar.