Lula e o PT apoiam o regime da Nicarágua, chamado de ditadura familiar por grande parte da esquerda

Por questão de coerência, governo brasileiro não pode fechar os olhos para ataques à democracia

Em abril de 2003, Cuba apertou a repressão aos dissidentes e fuzilou três homens que haviam sequestrado uma lancha, em tentativa frustrada de fugir para os Estados Unidos. Comunista histórico, o escritor José Saramago foi a público protestar contra as execuções.

“Até aqui cheguei”, escreveu, em carta que selou seu rompimento com o regime castrista. “De agora em diante, Cuba seguirá seu caminho, e eu fico onde estou”, afirmou o autor de “Ensaio sobre a cegueira”.

O anúncio de Saramago surpreendeu a esquerda latino-americana, que evitava fazer críticas a Fidel Castro. Vinte anos depois, o constrangimento se repete com a Nicarágua de Daniel Ortega.

O ex-guerrilheiro está cada vez mais parecido com o ditador que ajudou a derrubar em 1979. Reprime a oposição e censura a imprensa para se perpetuar no poder. Mesmo assim, é tratado com vista grossa por antigos aliados.

Na semana passada, uma comissão de peritos da ONU acusou o regime de Ortega de cometer crimes contra a humanidade. O grupo apontou a prática “sistemática e generalizada” de violações aos direitos humanos na Nicarágua. Citou execuções extrajudiciais, torturas e detenções arbitrárias.

Daniel Ortega e sua mulher Rosario Murillo, vice presidente

Em declaração conjunta, 54 países condenaram a escalada autoritária e cobraram a libertação imediata dos presos políticos. Governados pela esquerda, Chile e Colômbia assinaram o documento. O Brasil preferiu lavar as mãos.

Ontem o Itamaraty começou a ensaiar uma correção de rumo. Manifestou “preocupação extrema” com a situação na Nicarágua e ofereceu acolhida a mais de 300 cidadãos que tiveram a nacionalidade cassada por se opor ao regime.

Bons tempos: Fidel e Ortega em 11 de janeiro de 1985

Lula mantém laços com Ortega desde 1980, quando desembarcou em Manágua para festejar o primeiro aniversário da Revolução Sandinista. Agora ele e o PT resistem a admitir que o velho companheiro se tornou um ditador.

O presidente se elegeu com a promessa de combater o autoritarismo. No oitavo dia de governo, sobreviveu a uma tentativa de golpe. Por questão de coerência, não pode fechar os olhos para quem ataca a democracia. Nem aqui nem na Nicarágua.