Todo cidadão tem o direito de se manifestar em relação ao trabalho do governo, que não só é pago com o seu dinheiro, como afeta diretamente sua vida

A colunista Mariliz Pereira Jorge, da Folha de S.Paulo, foi bloqueada no Twitter por Abraham Weintraub, o ministro da Educação, e por Marcelo Bretas, juiz da Lava-Jato. Fez observações em relação a tuítes deles de que eles não gostaram. Mariliz levou o assunto à sua coluna em vídeo do canal MyNews, eu compartilhei essa coluna — e, a partir daí, caímos numa discussão sem fim na internet a respeito do uso de blocks por pessoas públicas.

A eleição de Donald Trump deslocou de vez o espaço da discussão política para as redes sociais. Ele não foi o primeiro político a manter contato com o eleitorado através do Twitter — Barack Obama já fazia uso intenso da plataforma durante a sua primeira eleição, em 2008 — mas foi o primeiro presidente a usar uma rede social como ferramenta de governo, e o seu estilo tosco fez escola.

Essa ligação direta com o público, sem passar pelos canais tradicionais de divulgação, levanta, porém, uma questão importante: onde ficam as fronteiras entre público e privado? Mais: essas fronteiras podem sequer existir quando o que está em pauta é o debate político, que diz respeito a todos os cidadãos? Contas pessoais de políticos muitas vezes são mais importantes para compreender o que está acontecendo do que as contas oficiais do governo.

U.S. President Donald Trump looks on during a meeting with Brazilian President Jair Bolsonaro in Oval Office of the White House in Washington, U.S., March 19, 2019. REUTERS/Kevin Lamarque

A Justiça norte-americana proibiu Donald Trump de bloquear 

Nos Estados Unidos, essa questão já passou em julgado. Donald Trump foi proibido por um juiz de bloquear qualquer cidadão no Twitter, e a mesma coisa tem acontecido, rotineiramente, com outros políticos pouco afeitos ao diálogo.

Aqui, um grupo de 111 advogadas protocolou um mandado de segurança contra o ministro Weintraub, exigindo que ele desbloqueie a professora Debora Diniz no Twitter — pois é, a Mariliz não foi a única. A professora também teve a ousadia de contestá-lo quando ele se manifestou a respeito do transporte de drogas no avião presidencial.

“Meu Twitter minhas regras!”, tuitou o ministro em resposta. “Fui informado que há uma comunistinha querendo que eu a desbloqueie. Regras para ter acesso: não pode ser comunistinha e chato ao mesmo tempo (tenho que dar risada quando ler). Mantive o Cocada, o Dragão, a Tiburi e tantos outros… Estou sendo radical?”

Não, o ministro não está sendo radical. A palavra é outra. Ele está sendo antidemocrático, e está provando que ainda não entendeu a complexidade do seu cargo. Ele não pode estabelecer regras para determinar quem tem o direito de ler o que ele escreve num espaço público.

Vale lembrar que a confusão entre público e privado não se dá por engano dos cidadãos; ela começa quando autoridades transformam as suas plataformas virtuais em espaço de debate. O Twitter do ministro seria privado se ele não o utilizasse para fazer pronunciamentos políticos.

Vale lembrar também que o nome que se dá à proibição de manifestações críticas por autoridades é censura.

Em suma, todo cidadão tem o direito de se manifestar em relação ao trabalho do governo, que não só é pago com o seu dinheiro, como afeta diretamente a sua vida. Se um político não está disposto a ouvir críticas, ou se só está disposto a ouvir aquelas críticas que o fazem rir, é melhor que saia das redes sociais — e, de preferência, do governo.