Por Marcos Limão

Ganhou status de crise institucional o problema da saúde pública em Taubaté. A divulgação do ofício 1782/2013, de autoria da Prefeitura de Taubaté, que acusa diretores do Hospital Regional (HR) de envolvimento em campanhas políticas mediante facilitação de exames e internações solicitados por vereadores, estremeceu a relação entre os poderes Executivo e Legislativo. De tão ruidosa, a situação forçou o prefeito Ortiz Júnior (PSDB) a iniciar conversas reservadas com cada um dos 19 vereadores. Além das conversas, segundo apurou CONTATO, Ortiz Júnior procura um substituto para João Marcos Vidal (PSB) na função de líder do prefeito na Câmara Municipal.

Assinado pelo prefeito e pela vereadora Graça (PSB), presidente da Câmara Municipal, o ofício acusa os diretores da Sociedade Beneficente São Camilo, Márcio do Espírito Santo e Caio Lúcio Soubhia Nunes, respectivamente, diretor Administrativo e Técnico do HR, como responsáveis pela situação criada.

Além do governador Geraldo Alckmin (PSDB), o documento foi endereçado ao secretário estadual da Saúde e ao superintendente da Sociedade Beneficente São Camilo, porque a Prefeitura não estaria conseguindo dar vazão aos pacientes irregularmente internados no Pronto Socorro Municipal e que necessitam de vaga nos hospitais públicos administrados pela São Camilo

No dia 1º de abril, foi oficializada pelo governo estadual a integração dos hospitais Regional e Universitário, que passaram a ser administrados pela São Camilo. Essa integração deveria resolver o crônico problema da falta de leitos em Taubaté. Mas, segundo o governo municipal, houve decréscimo na oferta de leitos e consequentemente acréscimo no número de óbitos de pacientes que necessitam de vagas em hospitais e estão irregularmente internados no Pronto Socorro Municipal.

20 de novembro

O ofício 1782/2013 veio à tona em 20 de novembro. Era uma quarta-feira, dia de sessão ordinária na Câmara Municipal. A revelação provocou imediata reação. Houve acusações recíprocas de interesse escuso por parte daqueles que acusam e que defendem a São Camilo. Foi como jogar gasolina na fogueira das vaidades. O desentendimento político alimentava ainda mais o fogo provocado pelo combustível.

Imediatamente, um grupo de vereadores formulou uma moção de aplauso aos diretores da São Camilo e incluiu o documento na pauta para ser aprovada em regime de urgência.

A moção foi uma resposta ao ofício1782/2013, assinado pela presidente da Câmara Municipal sem o consentimento dos demais vereadores. Por este motivo, Graça (PSB) foi criticada de forma contundente pelos vereadores que defendem a São Camilo.

Durante a sessão ordinária, a vereadora Graça (PSB) explicou que, em audiência realizada na Câmara Municipal em maio de 2013, o diretor técnico do HR, Caio Soubhia, estimou prazo de um a dois meses para aumento da oferta de leitos de internação, já que se encontrava em estágio inicial a integração com o HU. “Isso não aconteceu até hoje. A demanda do PS continua a mesma e os leitos não aparecem. É uma questão de gestão e precisamos que essa realidade mude”, declarou.

Vereadora Gorete (DEM) criticou a situação dos funcionários do HR. Disse que, na época em que era administrado pelo Grupo Bandeirante, “todos eram reconhecidos, e obtinham alimentação noturna adequada, almoço, cesta e festa de Natal. Quando o São Camilo assumiu [a gestão do hospital], houve mudança no tratamento. Agora, os funcionários não têm jantar, somente um lanche”.

Assim como Digão (PSDB), Bilili (PSDB), Luizinho da Farmácia (Pros) e Carlos Peixoto (PMDB), Alexandre Villela (PMDB) também saiu em defesa dos dirigentes do Hospital Regional e atribuiu à Central de Regulação de Ofertas de Serviços de Saúde (CROSS) a responsabilidade de encaminhar pacientes do Pronto-Socorro para internação. “Quando a gente fala em morte no OS, não é culpa do HR. A CROSS [é] que tem que mandar para algum hospital, ou [para] Guará, ou São José”, afirmou.

Dia 22 de novembro

Em resposta aos ataques, Graça (PSB) divulgou uma carta aberta à população sob o título “Mais leitos hospitalares para os taubateanos”. Nela, afirma que “como vereadora e moradora de Taubaté não posso concordar com essa gestão do complexo hospitalar que tantos problemas têm causado aos pacientes e à saúde pública de nosso município”.

Dia 25 de novembro

Na manhã de segunda-feira, 25, um grupo de vereadores foi até São Paulo para entregar uma moção de aplauso aos diretores do Hospital São Camilo para o secretário adjunto da Secretaria de Estado da Saúde, Wilson Pollara.

No mesmo dia, o HR recusou-se a receber uma paciente de 27 anos que tinha conseguido junto ao CROSS, central que regula as vagas nos hospitais públicos, a permissão para ser encaminhada para lá. Em vista disso, a Prefeitura chamou a Polícia Militar para forçar a internação. A partir dessa situação, tiveram início novamente as acusações mútuas entre os defensores e os acusadores da São Camilo.

Por meio de nota oficial, a Prefeitura informou que a paciente tinha sofrido um “trauma no ombro direito”. E que, “após avaliação do médico ortopedista, teve a solicitação de vaga cadastrada no sistema estadual [CROSS], com descrição adequada e correta do quadro clinico, que em momento algum referiu risco de vida. O sistema regulador liberou a vaga tipo zero (internação imediata) no Hospital Regional. A equipe do PSM teve a precaução de ligar no CROSS para confirmar se estava correta a internação tipo zero no hospital indicado, visto que casos de ortopedia normalmente são encaminhados ao Hospital Universitário, e foi confirmada a informação de internação imediata no hospital indicado. O sistema CROSS informa que a ligação é gravada e pode ser solicitada a qualquer momento”.

Já o vereador Digão disse que foi até a casa da paciente e constatou que ela tinha apenas uma luxação no ombro, o que não demandaria internação. Disse ainda que, após levantamento junto à Secretaria de Segurança Pública, constatou que o número de óbitos no Pronto Socorro permaneceu estável entre o período de janeiro a setembro em  2012 e 2013, havendo apenas duas mortes a mais neste ano.  “Então, não tem essa de falar que morre mais gente hoje”.

CONTATO perguntou se era papel de um parlamentar sair em defesa de dirigentes de entidades privadas. Digão respondeu que “estamos defendendo a verdade dos fatos e não o que foi colocado no ofício”.

Perguntado a respeito da possibilidade de ser o líder do prefeito em 2014, o tucano respondeu que foi sondado, mas não recebeu o convite oficial. Se receber oficialmente o convite, pretende tomar a decisão com base num consenso coletivo, entre os demais vereadores que compõe o seu grupo na Câmara Municipal. “Eu não trato com o prefeito. Eu trato com a bancada, que é o meu grupo aqui na Câmara Municipal. Se o prefeito fizer o convite, eu vou conversar com o grupo. Nós temos um grupo construído e nós temos que sentar e conversar”, disse o vereador, que é o presidente do PSDB de Taubaté.

Dia 27 de novembro

Os vereadores aprovaram por unanimidade a convocação do secretário de Saúde, João Ebram Neto, para esclarecer a situação envolvendo a PM. Ainda não há data definida para o secretário comparecer ao poder Legislativo.

Visando contornar a situação, o Governo do Estado estuda a possibilidade de custear 45 leitos para Taubaté, até a finalização das obras nos hospitais Regional e Universitário que resultará em mais leitos hospitalares em Taubaté. Eles serão contratados junto aos hospitais das cidades de São José dos Campos, Caçapava e Guaratinguetá.

São Camilo

A entidade não quis comentar a respeito do ofício enviado pelos chefes dos poderes Executivo e Legislativo. Por meio de nota, manifestou-se apenas sobre a internação forçada pela Polícia Militar e a situação dos funcionários do hospital.

“A CROSS informa que o pedido de transferência para a paciente Meire Daiane Aparecida chegou à unidade às 9h41 e foi finalizado às 10h13 após a transferência da paciente para o Hospital Regional do Vale do Paraíba. Após ser avaliada pela equipe médica do Regional, foi constatado que o caso não era de urgência, ao contrário do informado erroneamente pela prefeitura, e, por isso, a referência para atendimento seria o Hospital Universitário de Taubaté, onde a paciente já tinha uma vaga garantida. Vale ressaltar que, nestes casos, conforme preconiza o protocolo estabelecido, a paciente deve retornar à unidade de origem para que a vaga correta seja solicitada. A Secretaria de Estado da Saúde lamenta que a prefeitura de Taubaté tenha feito um alarde desnecessário e totalmente fora de propósito com o caso da paciente que, inclusive, já está sendo encaminhada para dar continuidade ao seu tratamento no HU. Informamos ainda que a informação [dos funcionários] não procede: o Hospital Regional oferece jantar a todos os colaboradores antes do início de cada plantão noturno e, posteriormente, lanche, garantindo a retaguarda nutricional necessária para cada indivíduo”.

CRONOLOGIA DAS CRISE ENTRE OS PODERES

Março de 2013: vereadores aprovaram o projeto de lei que qualifica Organizações Sociais para atuar em Taubaté. À época, a emenda apresentada pelo vereador Digão, para tirar a Saúde e a Educação do âmbito das OSs, contou com o aval do prefeito Ortiz Júnior.

6 de maio: vereador Jeferson Campos (PV) protocola projeto de lei complementar 21/2013 para incluir a Saúde e a Educação nas terceirizações. O prefeito também avalizou esta iniciativa.

Além disso, o Pronto Socorro seria transferido para dentro do Hospital Universitário, administrado pela São Camilo. Assim, duas entidades diferentes atuariam dentro de um mesmo espaço. Visando anular a nova ofensiva do vereador Jeferson, Bilili subiu à tribuna na sessão de 12 de junho e lançou uma grave ameaça contra o secretário de Saúde, João Ebram Neto: ele estaria articulando junto com deputado estadual Padre Afonso (PV),  hoje aliado de Ortiz Júnior, a vinda de uma OS para gerir o Pronto Socorro. Como indício da articulação, Bilili citou o projeto de lei de Jeferson Campos, o único vereador do PV no Legislativo.

A denúncia resultou na primeira CPI do atual governo. Mas a investigação parlamentar está mais empenhada em esclarecer o esquema paralelo de internação e marcação de consultas na rede estadual de saúde montado pelo vereador do PSDB, do que na denúncia original. Bilili, por sua vez, está insatisfeito com o Palácio do Bom Conselho que nada fez para impedir que a CPI, formadas por membros da base aliada, investigasse sua vida e seu modo de operar.

7 de junho: o prefeito enviou ao governador de São Paulo documento relatando que, após a integração dos hospitais Regional e Universitário, concretizada em 1º de abril, houve aumento de óbitos no Pronto Socorro. “A situação, que já era ruim, piorou muito nos últimos 02 meses […] O número de óbitos nos meses de abril e maio foi maior que o número contatado nos meses de janeiro, fevereiro e março”, afirmou.

Agosto de 2013: a Prefeitura de Taubaté levou o governo do Estado para a Justiça ao ingressar com ação judicial contra a falta de leitos e estipulando multas diárias pelo não fornecimento de vaga em hospital.

13 de setembro: os vereadores tucanos Bilili e Digão intermediaram reunião entre Ortiz Júnior e Sandra Tutihashi, então diretora da DRS XVII, órgão estadual  que controla o sistema de saúde na região, a fim de aplacar os ânimos. Nesse encontro, Tutihashi reclamou da falta de diálogo com o secretário de Saúde, João Ebram.

31 de outubro: Tutihashi deixou o comando da DRS XVII, após quase duas décadas de serviços prestados, e assumiu a secretaria da Saúde de Pindamonhangaba.

11 de novembro: os representantes dos poderes Executivo e Legislativo enviaram ao governador e ao superintendente da São Camilo o ofício 1782/2013.