Isabel e eu somos da tribo dos encourados do sertão, dos predestinados da escassez da seca no semiárido

No domingo 10, Isabel visitou comigo a Casa da Torre, dos Garcia d’Ávila, na Praia da Forte, 100 quilômetros a norte de Salvador. Um calor de derreter a calota polar, quanto mais meus miolos moles. Brisa nem se São Pedro descesse à praia e soprasse de lá. Ar árido de secar o Atlântico azul ao fundo.

Mas nada comparável ao calor do peito, a emoção roedeira. À nossa frente, as sólidas paredes seiscentistas que abrigavam o castelo de onde partiram as jornadas épicas da conquista do semiárido a patas de boi. Dali partiu o português Teodósio de Oliveira Ledo, que fundaria Campina Grande no Planalto da Borborema, onde Isabel nasceu. Aquela era o marco de origem da civilização do couro, com que se fazem os gibões dos vaqueiros sertanejos, caso de Elói, baiano de Monte Santo (no sertão de Canudos), que se mudou para o Rio do Peixe, casou-se com uma filha do lugar, Levina. E foi ela quem me deu o primeiro banho na bacia e pesou meus 5 quilos na balança de pesar fardos de algodão de meu avô materno, Chico Ferreira, em cuja casa nasci – já faz uma data.

Chegamos a ouvir as patas dos cavalos impacientes pela partida, o estalo da baba dos bois ruminando no pasto, risadas de índias fazendo beijus, murmúrios de oração na capela e a algaravia da língua geral nas conversas no solar ou nos campos. Sentimo-nos em pleno século 16 convivendo com a pedra próxima e o mar distante. A beleza de Isabel se destacava, luminosa, do cinzento da pedra. E quase chorei.

Quando Aninha Franco me contou que Garcia d’Ávila matou muitos índios, aí chorei um pouco a pretexto destes também. Mas consciente de que eu faço parte da tribo dos encourados do sertão ermo, dos peregrinos de capoeira, dos predestinados à escassez e à nudez da simplicidade da seca.

(Prezados, como podem ver, o texto José Nêumanne Pinto é de dar inveja – foto Andreas Heiniger)