Numa pequena caixa que acondiciona CD e DVD, o saxofonista e flautista Mauro Senise lançou Amor até o fim – Mauro Senise toca Gilberto Gil (Fina Flor). Vamos ao CD – não sem antes aplaudir o bom gosto de suas escolhas.

Desde os arranjos, cujas cadências têm como marca uma sábia malemolência, uma picardia que se revela no vagar com que as músicas são interpretadas, MS demonstra nas treze faixas que foi fundo ao caráter planetário da música de Gil. Num trabalho de fôlego, Senise cercou-se de instrumentistas e arranjadores que são, hoje, o que de melhor a cena musical carioca tem a oferecer.

“Drão”, com arranjo de Cristóvão Bastos, tem a suavidade de seu piano e a maciez do baixo de Bruno Aguilar como introdução. Vem o sopro encorpado do sax soprano de MS solando a bela melodia de Gil. O formato piano, baixo, bateria (Ricardo Costa) e sax é sob medida para interpretá-la. Solos e improvisos do soprano antecedem igual criatividade do piano.

Com arranjo de Adriano Souza, Senise e sua flauta brilham em “Ladeira da Preguiça” – também num andamento mais balançado. O baixo de Rodrigo Villa inicia repetindo a mesma nota. A flauta pede passagem; o baixo segue repetindo o bordão, o piano adere. A flauta, após um improviso, segue tocando em duo com o piano.

A pouco conhecida, mas inspirada música de Gil, “O Linho e a Linha”, tem arranjo de Cristóvão Bastos, cujo piano dá início aos trabalhos, logo entregando a melodia ao sax alto. Baixo (Bruno Aguilar) e bateria (Ricardo Costa) o acompanham. E assim, suavemente, dão cara nova à composição.

“Oriente” (arranjo de Jota Moraes) inicia com efeitos que dão uma palinha do que virá. Logo o vibrafone e o sax soprano deixam claro que a música de Gil respirará novos ares. Os improvisos vão da guitarra (Leonardo Amuedo) ao vibrafone (Jota Moraes) e ao sax. O andamento, mais uma vez, é descansado.

Sobre o vibrafone de Jota Moraes, arranjador da música, Gil declama os versos de “Preciso Aprender a Só Ser”. Ainda que afetuosa, sua voz é uma fortaleza. Tendo o baixo (Rodrigo Villa) a lhe apoiar, o piano (Jota Moraes) assume o improviso (lindo!). O sax pega a melodia e a conduz ao final.

Fechando a tampa, Senise e o píccolo brilham no arranjo de Jota Moraes para “Expresso 2222”. Os tambores da percussão de Mingo Araújo arretam o baião; o cowbell segura a levada esperta. O píccolo sola. Logo vem o vibrafone e improvisa até devolvê-lo ao píccolo e daí para a guitarra de Leonardo Amuedo. Alguns compassos mais e apenas a zabumba e o píccolo criam atmosfera de forró pé-de-serra… ralentam… Fim. Meu Deus!

Dentre os grandes da nossa música popular, Gilberto Gil é o mais genialmente músico, na completa acepção da palavra. Gil é plural. Tocá-lo (ou cantá-lo) requer absorver sua humildade e sua genialidade. Música ele cria com fervor, mas também com a condescendência dos sábios. E Mauro Senise, captando perfeitamente esses muitos atributos, gravou um trabalho de alta categoria.

 

Aquiles Rique Reis é vocalista do MPB4