O ataque, em Paraty, à escuna em que estava o jornalista Glenn Greenwald, um dos editores do The Intercept Brasil, é uma prova do que nos espera

            Conheço a FLIP – Festa Literária Internacional de Paraty – desde os seus primórdios. A seriedade e profissionalismo marcaram sua realização ao longo dos seus 17 anos de sucesso. Foi idealizada pela editora inglesa Liz Calder (comunista?), da Bloomsbury, que morou no Brasil e tomou como modelo o festival literário de Hay-on-Wye, no Reino Unido. Eu diria com a maior segurança: consolidou-se como um patrimônio cultural do Brasil.

Eis que na sexta-feira, 12, esse patrimônio correu o risco de ser varrido da nossa história. Um grupo de 40 ou 50 pessoas, no máximo, resolveu tentar impedir na marra que Glenn Greenwald fizesse sua palestra marcada para 19h:00 a bordo de uma escuna contratada pela FLIPEI – Festa Literária Pirata das Editoras Independentes.

Barco pirata

Barco contratado pela FLIPEI para sediar seus eventos na FLIP 2019

            Em 2014, Greenwald participou da festa falando sobre os esquemas de espionagem da Agência Nacional de Espionagem dos EUA descobertos por Snowden e revelados por ele. Na sexta, 12, seu tema foi sobre as conversas vazadas dos procuradores da Lava Jato, bem como do então juiz Sérgio Moro, que revelam um criticável conluio entre um magistrado e os acusadores em uma operação.

Retomando, por voltas das 18h:30 os bolsonaristas começaram a se manifestar. Chamados de paritienses por alguns jornalistas que não conhecem a cidade, usaram um poderoso equipamento de som que não existe na região. O som era tão forte que atrapalhava as outras atividades na FLIP na área do patrimônio histórico.

Por volta das 19h:30, a polícia conseguiu calar a horda de manifestantes bolsonaristas. Nos seus 17 anos nunca havia ocorrido uma manifestação que tentasse impedir na FLIP a livre manifestação de ideias. Uma iniciativa tipicamente fascista que tentava mostrar um ativo apoio popular ao governo. Nem mesmo durante a ditadura militar houve movimentos paramilitares ou massas populares saindo às ruas para atacar fisicamente os adversários do regime.

Hoje eles tentam. E aparecem quando tentam banalizar a violência dos que são favoráveis ao governo. O ataque ao barco onde Greenwald se apresentou em Paraty é um exemplo vivo disso. Aliás, o que distingue o fascismo das outras formas de direita é ter uma militância radicalizada disposta a empregar a violência.

Trata-se de uma violência usada não só contra adversários do governo, mas também contra quem o regime odeia. No nazismo, perseguiam judeus, homossexuais, ciganos, eslavos, autistas. Hoje, no Brasil, os alvos são sobretudo os LGBTs, a esquerda, as universidades públicas, os sem-terra. Porém, é fácil juntar outros grupos que despertem o ódio dos ignorantes que perambulam pelo círculo mais fechado do poder.

Glenn chega ao barco

Glen Greenwald chega à escuna da FLIPEI, apesar dos bolsonaristas

É caso do Zero Dois, o pit bull, que não esconde seu ódio a tudo o que seja inteligência, ciência, cultura, arte. Teve o desplante de afirmar em seu twitter “Só por curiosidade: quando está quente a culpa é sempre do possível aquecimento global e quando está frio fora do normal como é que se chama?”

A mediocridade é a marca desse governo que, sem pudor, investe no desmonte de nossas conquistas não só políticas e sociais, mas culturais e ambientais.

É preciso resistir. Temos de salvar a vida inteligente buscando alternativas e construído alianças para enfrentar essas ameaças.