José Carlos Sebe Bom Meihy

 

Sou de uma geração que, em conjunto, vivenciou a perda pública das demonstrações de fé. Sou, assumo, parte da “classe média emergente”, fenômeno novíssimo, urbano e industrial, que se fez entre o declínio da crença institucional religiosa e o vertiginoso crescimento do capitalismo à brasileira. Represento, portanto, parcela de um segmento materialista que cresceu dentro do ambiente definidor da sociedade de consumo, onde as demonstrações de religiosidade não se ajustavam bem ao modelo. Diria que me enquadro na moldura dos que acabaram por se reduzir a “católico cultural”. Dói dizer isso, mas olhando para meus pares etários, cabe reconhecer que não temos mais jovens fieis como antigamente. Não que não existam; logicamente os há, mas não em número expressivo ou pelo menos de ostentação visível. Pois é: de repente, manter tradições religiosas virou coisa antiga, mais de mulheres; os chamados feriados religiosos foram perdendo força, trocados por dias de descanso ou férias. Tudo se deu meio silencioso, na calada dos tempos, sem que notássemos. Triste isso, não?

A despeito dessa constatação pessoal, não tenho como negar minha extrema atração pelo universo mítico cristão católico. A ideia de céu, inferno, anjos, santos e demônios; o movimentado mundo das tentações e de perdões confessionais, a noção de milagre e tantos outros mistérios do sobrenatural me fascinam. Nada, entretanto, me comove mais do que a fé alheia, manifestações processionais, orações em voz alta e os cânticos… Ah! os cânticos religiosos “com minha mãe estarei, na santa glória algum dia, junto a Virgem Maria, no céu trunfarei”…

Mesmo tendo relativizado minha fé – afinal sou filho do meu tempo – devo segredar que não abro mão do apelo a Nossa Senhora. Não mesmo. Basta um probleminha para recuperar a “crença infalível” e rogar ajuda. Tudo é muito secreto, íntimo, mas real. Então, sempre me pergunto: mas a qual delas; a qual das Virgens devo me dirigir? A Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil ou a Nossa Senhora de Fátima, portuguesa?

Sei claramente que todas são uma só, mãe de Jesus, e também sei que as denominações apenas dimensionam apropriações circunstanciais. São, porém, exatamente tais acolhimentos que me confundem. Há Nossa Senhora para todos os gostos, culturas e nações, sabe-se. Cada grupo ou nação escolhe e privilegia uma, e, assim, há: mexicanas, francesas, peruanas, croatas, libanesas, e tantas outras. Existem ainda as: do Bom Conselho, da Boa Morte, do Parto, das dores… No Brasil, tem havido variações tendenciosas e até acho que não seria errado dizer que se dividem em duas principais: Aparecida e Fátima.

Se desde a chegada dos portugueses Nossa Senhora dos Navegantes teve posto de protetora, antes dela, Nossa Senhora da Conceição (ou Imaculada Conceição) ganhou prestígio, chegando em 1640 a ser escolhida como Rainha de Portugal e, portanto, de todo “Mundo Português”. De lá para cá, foi um pulo, pois os devotos lusitanos e famílias espalhadas no vasto domínio imperial se firmaram nessa afiliação devota. Houve, porém algo que abalou tal prestígio. No Brasil, em 1717, foi encontrada no Rio Paraíba uma imagem que mudaria o rumo da orientação religiosa popular. Os relatos que dão conta desse episódio estão registrados no Primeiro Livro de Tombo da Paróquia de Santo Antônio de Guaratinguetá, onde se lê que a aparição da imagem ocorreu na segunda quinzena de outubro de 1717, quando Dom Pedro Miguel Vasconcelos, conde de Assumar, governador da capitania de São Paulo e Minas d’Ouro, estava de passagem pela cidade de Guaratinguetá. Para homenageá-lo, a população resolveu oferecer uma refeição à base de peixe. E lá foram três humildes pescadores Domingos Garcia, João Alves e Filipe Pedroso. Depois de tentativas, já desistindo, recolheram o corpo de pequena imagem, da Virgem Maria, sem a cabeça que, por fim, foi encontrada em nova arremessada, compondo a imagem de terracota, escurecida.

Dois séculos passados, em Portugal outra e rumorosa aparição ocorreu, dessa feita numa Cova chamada Iria, na freguesia de Fátima. Segundo relatos, a primeira aparição da Virgem teria ocorrido para três crianças pobres, camponesas, no dia 13 de maio de 1917. As aparições repetiram-se por seis meses, sempre no dia 13, até outubro de 1917. A devoção à Nossa Senhora do Rosário de Fátima cresceu muito no Brasil e até possuímos em cidade do interior do Ceará, no mundo, a maior imagem da Virgem “portuguesa”. E não faltam expoentes da cultura de massa a divulgar tal devoção (Ana Maria Braga, Hebe Camargo, Padre Marcelo Rosssi). O mesmo se diz de Nossa Senhora da Conceição que tem fiéis seguidores significativos como nosso sertanejo Renato Teixeira que a imortalizou na “Romaria”.

Pois é, mas tudo isso não me permitiu uma resposta definida, pois, afinal, a quem devo pedir favores? Se este trololó não indicou onde chegar, juro que vou suplicar ajuda de ambas e… E, prometo resposta assim que elas me indicarem o caminho. Por enquanto, Salve Nossa Senhora Aparecida; Salve Nossa Senhora de Fátima.