Desapontados com o capitão são milhões, eleitores com raiva serão uma força política, mas fraqueza de Bolsonaro não é debilidade

O governo Jair Bolsonaro atravessa o seu momento mais delicado. A resposta inepta à pandemia da covid-19, o confronto insensato com o STF e, agora, a recuperação do Caso Queiroz, com seus tentáculos sobre todo o passado familiar, transformaram Bolsonaro em um presidente sob risco.

As suas ofertas de cargos aos políticos do Centrão, a movimentação para mimetizar o Exército com o governo e o discurso de ser a vítima de uma conspiração são elementos de uma estratégia de defesa. Bolsonaro não é, neste momento, um presidente à beira do autogolpe, pelo contrário. É um presidente que teme não chegar ao final do mandato, defenestrado do Palácio do Planalto seja via Justiça Eleitoral, seja via impeachment.

Como todo impasse, existe a possibilidade de Bolsonaro se recuperar. Luiz Inácio Lula da Silva sobreviveu ao Mensalão cavalgando em 2006 a recuperação econômica plantada pelo paloccismo. Mas é preciso acreditar em duendes para supor em uma retomada econômica no curto prazo. O mais provável é o Brasil chegar a 2022 mais pobre do que em 2018.

O melhor cenário para o presidente guarda semelhanças aos de Fernando Henrique Cardoso, em 1998, e Dilma Rousseff, em 2013. Ambos sobreviveram a crises e foram capazes da reeleição, mas sem o fôlego para administrar o segundo mandato. O primeiro viveu sob a égide do FMI. A segunda não completou 18 meses no cargo. É esse tipo de perspectiva “otimista” que ronda Bolsonaro.

Impeachment Dilma

Dilma Roussef sucumbiu ao movimento que exigia seu impeachment

A fraqueza de Bolsonaro, no entanto, não deve ser confundida com debilidade do bolsonarismo, como ficou conhecido o movimento de direita que o elegeu. São coisas diferentes. O capitão tem um instinto político raro, mas comanda de fato apenas uma base fanática, que vai do youtuber Olavo de Carvalho aos milicianos do golpe militar. A maior parte dos quase 58 milhões de brasileiros que votaram nele, contudo, são mais diversos.

Bolsonaro se tornou presidente como porta-voz de uma montanha de insatisfações, desgostos e ressentimentos. Ele representou os esquecidos dos anos Lula, a classe média rica demais para ter uma bolsa, pobre demais para pagar uma boa escola; os que assistiram pela TV a evolução das descobertas da Lava Jato enquanto perdiam seus empregos e relacionaram uma coisa à outra; os que cortaram a aula de inglês dos filhos para pagar a conta de luz; os que tiveram de fechar seus negócios para dirigir um uber; todas vítimas da recessão de 2014/16, dos remediados até o trader que perdeu o bônus de fim-de-ano.

É limitador, porém, explicar a última eleição apenas pelo bolso. O capitão em 2018: os homens assustados com mulheres empoderadas, pais que não podiam mais impor suas vontades aos filhos, evangélicos cansados de serem tratados como cidadãos de segunda classe, empregadas com medo de sair de casa pelos tiroteios da madrugada, garotos assaltados na saída da escola, garotas que descobriram que um diploma do Pronatec não servia para nada num país sem futuro.

Esse ressentimento continua vivo. Pesquisas mostram que parte dele se volta hoje contra o próprio Bolsonaro. São pessoas vivendo com salários descontados e com medo do desemprego no mês que vem, sobreviventes da covid-19 para quem nunca foi uma gripezinha, gente com vergonha de Queiroz… Desapontados com o capitão, são milhões de pessoas ainda sem rumo, mas ainda com raiva.

Bolsonaro desgastado

Apesar de desgastado, Bolsonaro ainda não está debilitado

A sensação de ter sido enganado é uma força da natureza que já se voltou contra Collor e Dilma. Tudo indica que atingirá Bolsonaro no futuro. São pessoas que, por mais que lhes desagrade a companhia do PT, estarão nas ruas quando a pandemia passar para mostrar sua raiva, como fizeram em 2013, 2015, 2016 e 2018. A panela de pressão que elegeu Bolsonaro pode lhe tirar o cargo.