Com a exceção óbvia de Lula, não existe hoje no Brasil nenhum líder político com o mesmo carisma e poder de mobilização que Guilherme Boulos, do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).

 

Na atual circunstância nacional, nem mesmo o ex-presidente petista causa tanto pavor no governo interino (e na direita em geral) como o ativista das moradias populares.

Assisti Boulos em ação diversas vezes, sempre a trabalho. E em todas elas saí impressionado. Quando ele sobe no caminhão de som (ou no banquinho) com sua indefectível mochila nas costas, a massa para, escuta e reverbera com entusiasmo.

A fala é clara e o tom de voz intenso sem ser estridente. O conteúdo não resvala em platitudes. Boulos tem foco e apresenta demandas concretas. Não é do tipo que age por oportunismo pessoal.

O conteúdo de seu discurso é contagiante e foge do lugar comum

Se ele diz que vai transformar a vida do governo em um inferno, pode apostar nisso. O líder do MTST consegue colocar milhares de pessoas em qualquer lugar e em pouco tempo. É um estrategista. Seus liderados não recebem nenhum tipo de contribuição ou lanche.  São pessoas simples, mas politizadas e sonhadoras.

As manifestações do MTST são de longe as mais organizadas. Na quarta-feira, quando os sem-teto ocuparam a sede da Presidência em São Paulo, ele garantiu que não iria obstruir as duas vias da Paulista, e cumpriu.

Mas aí veio a PM e agrediu de forma violenta cinco pessoas do seu povo. Boulos subiu ao carro de som. Estava irado, mas não perdeu compostura. O comandante da PM então se aproximou. Chegou sem escolta e disposto a conversar, pois sabia que não haveria retaliação  naquele momento. Boulos cumpre acordos.

Nenhum Sem Teto cruza a linha combinada sem a autorização do líder. Apesar do clima tenso, o chefe do policiamento chamou Boulos pelo primeiro nome, “Guilherme”. A PM sabe que, quando se trata de MTST, há uma referência.

Tiveram uma conversa dura, mas educada. E o ato continuou.

Boulos exerce domínio sobre a massa organizada e disciplinada que o acompanha

Michel Temer mandou cercar o entorno de sua casa com grades de ferro por medo de Boulos, que recentemente levou 5 mil pessoas quase até a sua janela. Dez dias depois, veio o ato da Paulista e o ministro das Cidades não resistiu. Recuou ao ver a cena da Presidência ocupada e decretou que o Minha Casa, Minha Vida continuaria contratando moradias. Boulos então tirou seu povo da sede da Presidência.

Mas afinal, quem é Guilherme Boulos? Pouca gente sabe. Ele não revela nada sobre sua vida pessoal, mas sabe-se que não é um autêntico sem-teto. Aos 33 anos, é  filho do médico infectologista Marcos Boulos, do Hospital das Clínicas, e casado com uma sem-teto, com quem tem duas filhas.

Ninguém sabe onde ele mora ou que bares frequenta, exceto os amigos. E entre eles, os amigos, estão quadros da jovem guarda da esquerda paulista, como Leonardo Sakamoto.

Guilherme Boulos é, hoje, um mito a ser biografado.

NR: Formado em filosofia pela USP, Guilherme Boulos é membro da coordenação nacional do MTST e da Frente de Resistência Urbana. Colunista da Folha de São Paulo às quintas.