Dizem que o primeiro restaurante aberto foi em Paris, na Rue de Pouiles no ano de 1765. Constava da placa o seguinte dizer “Vinde a mim, homens de estômago cansado, e eu vos restaurarei!”, aliás, é daí que vem a palavra restaurante.

Anos depois, já em 1782, também na capital da França, Antoine Beauvilliers inaugurava A Grande Taberna de Londres, e conta-se que foram então estabelecidas as primeiras regras comerciais entre os proprietários e clientes. Foi assim que ficou acertado que a conta deveria ser saldada depois da pessoa comer. Com o sucesso do empreendimento, muitas outras casas foram abertas, mas com variação no ritual de cobrança, pois, dado o número de pessoas que saíam sem pagar a conta, ficou patente que se o prato estivesse limpo, seria porque o cliente ainda nada devia.

Corridos séculos, espalhada pelo mundo, o preceito “deixar/por em pratos limpos” passou a significar algo como acerto de contas ou de diferenças. Há outra versão para esse dizer que ainda hoje povoa discussões: “deixar em pratos limpos”, também pode dizer que a pessoa comeu tudo, sem resto algum, e isto provaria que gostou da comida. Ainda que a primeira alternativa seja mais aceita, não deixo de reconhecer simpatia na segunda e justifico minha predileção. Vindo de família libanesa, o ato de comer junto se tornou sagrado. As longas refeições regadas a muita conversa, conselhos, sugestões e afetos, sempre compôs um comportamento singular no meu clã. Até hoje é assim, ainda que por vezes não seja atitude repetida. Mas, sempre que podemos nos sentamos em torno de comida até deixarmos os pratos limpos.

Tal meditação me ocorreu quando recentemente me coloquei a pensar nas mudanças de hábitos alimentares. Talvez por isto seja que não me acostumo com os tais fast foods ou com as criticáveis comidas vendidas por quilo. É claro que somos todos constrangidos a aceitar essas modernidades, mas como elas são danosas para as relações sociais! Comprometedoras do bom convívio, em família ainda temos a agravar as delícias das conversas o uso de celulares. Indigestões puras…

Foi no desdobramento de reflexões cozidas na evocação do passado que me veio à mente algumas lembranças que integram minha identidade de bon gourmet. Uma delas remete às sopas e à memória das comidas de inverno. Nem preciso dizer que sou daqueles que saboreiam rezando um bom caldo – de feijão, verde, de frutos do mar. Hunh!!!

Pois bem, foi assim que me lembrei de uma receita que revolucionou a história da alimentação de minha família. Sendo do Vale do Paraíba Paulista, havia uma receita principal: a famosa canja de galinha. Como em várias famílias, a de minha mãe era imbatível e até torcíamos para alguém adoecer para ter a tal “sopa”.

Aconteceu um dia de uma prima moderna, da capital, chegar para uns dias de visita e como era inverno, resolveu inovar e fez um “caldo de palmito”. Nossa, foi um sucesso que só abateu minha mãe que se viu preterida com suas velhas receitas. De tal forma a novidade chocou que até hoje me lembro da receita, vejam bem: ingredientes, uma cebola picada; um aipo, 200g de manteiga; um ramo de cebolinha e um de salsinha; 500g de palmito picado; 500g de creme de leite; 250ml de vinho branco seco; 250ml de água e sal a gosto. Preparado o material deveria refogar a cebola na manteiga até ficar dourada e então acrescentar o aipo picado em rodelas, o sal e o vinho. Acrescentar depois a cebolinha e a salsinha e por fim o creme de leite e o palmito. Tudo ferver em fogo brando e ser servido bem quente. Caro leitor, para melhor averiguar, siga a receia e depois responda com franqueza: qual sua explicação para “deixar tudo em pratos limpos”? Aguardo respostas, mas espero também que se lembrem de contrastar a receia deste caldo de palmito com as das nossas saudosas mãezinhas.

 

por José Carlos Sebe Bom Meihy, meiconta63@hotmail.com