Wilson Tranquinha com (Maria) Glória e a neta na festa do Clube da Lona, em Santo Antônio do Pinhal

Tranquinha partiu no sábado, 1º de julho. Não resistiu a uma embolia pulmonar. Segundo o Google, obstrução de uma artéria do pulmão pelo acúmulo de material sólido trazido através da corrente sanguínea (êmbolo).

São muitas as histórias, causos e estórias que o envolvem. Entre lendas, testemunhas e versões agora transformadas em narrativas escolhi uma da qual sou testemunha (ainda) viva. Nem consigo lembrar de todos personagens. Vamos lá.

Ubatuba já foi nossa Macondo, aquela cidade cercada por bananeiras que transformou em mar o rio de Gabriel Garcia Marquez, o Gabo, autor de Cem Anos de Solidão, que ainda não havia sido publicado. Os taubateanos consideravam Ubatuba uma extensão da terra de Lobato. Depois, o progresso (?) invadiu o realismo fantástico e deu no que conhecemos hoje. Só ficaram praias e memórias longínquas.

Aventura ubatubana antecede o lançamento do livro do colombiano Garcia Marquez

Foi naquela cidade hoje quase virtual que um grupo de jovens planejou mais uma galinhada na praia. Só faltavam as galináceas. Depois de outras aventuras como a do galinheiro da farmácia do Filhinho – contarei em outra ocasião -, fizemos um balanço sobre os levantamentos realizados na véspera. Os amigos esquecidos que me perdoem. Mas lá estavam Téio Frediani com seu Chevrolet Belair importado, claro, Dino Querido com uma Kombi, e entre os agregados nosso estrategista Wilson Tranquinha, Edison Tobias, o Paxá, Zé Carlos 21 não tenho certeza e eu.

Venceu o restaurante (hotel?) Chez qualquer coisa (nem o Naná conseguiu lembrar o nome) de gastronomia francesa metido a besta com um cardápio proibitivo para nossas curtas mesadas. A proximidade da estrada que antecedeu a BR101, batizada de rodovia Mário Covas no trecho paulista da Rio-Santo, foi decisiva para a organização rápida da fuga.

Por volta das 22 horas nos encontramos em frente ao antigo e saudoso Itaguá Praia Clube, na praia do Cruzeiro. Um dia ainda contarei alguns episódios. O que mais chamou a atenção da turma foi a roupa do Tranquinha: casaco de couro preto em pleno verão, blusa de moletom escura, gorrinho de couro e botas que pareciam de militar em filmes de guerra. Um contraste chocante os outros vestiam apenas calção, camiseta e chinelos de dedo. Deu uma única instrução: não falar no local da operação.

Zé Carlos 21, Dino e Tranquinha

              Nos carros, a bagunça barulhenta durante todo percurso transformou-se em silêncio fúnebre assim que passamos a praia das Toninhas. Passamos direto, retornamos e as “viaturas” ficaram apontadas para Ubatuba com as luzes apagadas. Tranca abriu seu misterioso casaco e exibiu o forro cheio de divisões para as ferramentas: lanterna, alicates, facas e os sacos onde as galinhas seriam transportadas. Em absoluto silêncio, assumiu o comando da tropa em direção ao restaurante (hotel?).

O galinheiro ficava afastado da área de serviço. Nosso medo se resumia em única questão, os cães que protegiam a propriedade. Tranquilamente, Tranca cortou os arames farpados que cercavam a área.

Lentamente, fomos nos aproximando do galinheiro ainda em silêncio. Através de sinais, Tranca nos orientou na formação de uma linha na frente dos poleiros onde dormiam as galináceas. Deveríamos avançar assim que Tranquinha rompesse as telas com seus alicates e concluísse a longa contagem de 1 a 3.

Quando concluía a longa contagem. os cães de guarda começaram a latir. Pelos diferentes tons, a matilha teria um tamanho que assustava. Mas a ordem estava dada. Avançar! Cada um de nós teria de pegar pelo menos duas galinhas antes que começassem a voar e cacarejar. A única luz era um fio de luminosidade que Tranca deixava escapar para que ninguém se perdesse naquela escuridão de breu. Foram os segundos mais longos e demorados que já havíamos passado. Conclusão consensual.

Festa do Clube da Lona no sítio de Paulo Simonetti, em Santo Antônio do Pinhal

Galinhas apreendidas, subimos correndo para a rodovia onde a Kombi e o Chevrolet nos esperavam com seus respectivos motoristas Dino e Téio. As 10 ou 12 aves seriam trancadas no porta-malas do carro importado para que não fossem vistas e muito menos ouvidas. A operação foi um sucesso comemorado com muita cerveja – não me lembro se Brahma ou Antártica que dividiam e controlavam aquele mercado.

No dia seguinte, dividimos as tarefas, que eram apenas duas: avisar os convidados e temperar as galinhas que seriam assadas na praia do Itaguá e devoradas depois de muita cachaça e cerveja.

A festa foi noite a dentro. Os convidados nunca souberam a origem do prato principal e muito menos o papel determinante que foi o desempenho de nosso comandante Wilson Tranquinha, que ansiosamente nos espera para novos e variados pratos celestiais.

Wilson “Tranquinha” Soares Arantes nasceu em 1936, em Volta Redonda RJ. Ainda criança, veio com seus pais para Taubatexas. Teve quatro filhos – Wagner, Wilson, Patrícia e Eduardo, quatro netos. E a viúva Glória que, se não existisse, Tranca inventaria: nasceu Maria da Glória, mas o cartório esqueceu do Maria, nome que ela mais gosta. Assinado: Wilson Tranquinha Arantes.