Rosinha e Weslley oficiando o próprio casamento

Derreti! De verdade aconteceu um dos encontros mais deparados de minha experiência de octogenário. Era domingo e eu, como sempre, levantei-me antes do sol se dizer. Gosto do friozinho do fim de outono e com café forte e quente destilava os acontecimentos de minha experiência envelhecente. Devo contar que pela manhã sempre sou otimista e não moderei esperanças capazes de animar a nova fase imposta à minha vida.

Sei lá por que, no céu ainda escuro daquele projeto de dia, brilhou em minha lembrança uma frase de Drummond que sempre me instiga: “tudo é possível, só eu impossível”. E no reino das possibilidades soltei meus melhores apelos de superação. E juntei as pequenas vitórias de minha luta silente e pessoal. Desde que o mal considerou morada em meu corpo, passado o momento de tensão hospitalar, resolvi rever critérios de continuidades. Devo confessar que foi breve o embate entre o esmorecimento e a redefinição do futuro. Tomada a decisão, perfilei as pequenas vitórias do bom combate apoiado em afinadas leituras, seleção de preocupações, idas ao teatro e bons filmes, conversas multiplicadas com gente amada, caminhadas nos fins de tarde. Enfim…

O Pão de Açúcar se impunha majestoso

O dia deu as caras e eu decidi me movimentar. Como moro em Copacabana, faço sempre caminho inverso de quantos optam pela “Princesinha do mar”. Sai em busca de espaço tranquilo, o Aterro do Flamengo. E com minha cadeira de praia, jornal em punho quis gozar a manhã que latejava em mim. O tempo estava risonho e distribuía delícias: sol ameno, brisa suave, céu sem nuvem e o mar azulzinho mexia-se tranquilo valorizado por montanhas de fundo – e nada mais que o Pão de Açúcar se impunha majestoso. Tudo lindo, lindo, lindo e gostoso demais.

Resolvi dar passos à minha caminhada e flanando surpreendia pequenos grupos festejando aniversários infantis, empolgantes festas de formatura ao ar livre, pessoas passeando com cães amados. Olha, tudo estava tão singelamente esplêndido que me fartei da melhor autocomplacência. De tal jeito senti-me enlevado que ao ser tocado no ombro, com pedido para tirar uma foto, me assustei. Sabe, vendo de agora, tenho a certeza de que meu anjo da guarda estava de bom humor.

Com o celular do rapaz em mãos, fiquei surpreso ao saber que se tratava de um jovem casal, gente modesta e, ambos formando-se um em sua completude, queriam registrar um momento especialíssimo de suas vidas. Nem acreditei no que via. Só os dois – ela Rosinha, ele Weslley – juntos oficiando o próprio casamento. E era tão singular e desprovido o evento que me vi comovido, acarinhado pelo melhor que a vida poderia me oferecer: testemunha de uma festa insólita. Ele de bermuda quase branca e chinelo de dedo; ela descalça, com grinalda de flores naturais foi logo dizendo “eu mesma fiz” e explicava que o vestido era “uma reforma”.

Grupos festejando aniversários infantis e festas de formatura ao ar livre

Permitam-me repetir que não havia ninguém, nada de padrinhos, convidados, damas de honra. Nada, nada, nada. Ninguém, apenas gaivotas que espiavam alienadas… e eu de fotógrafo improvisado. Enlevo puro! Cliquei o beijo nupcial e, entrevistador que sou, não resisti a uma conversinha: que está acontecendo? E a como quem soltasse perfume a moça devolveu “resolvemos assim, só nós dois, sem mais ninguém” e completou “o casamento é nosso, só nosso, de mais ninguém”. E com certa finura arrematou “nós e o senhor que apareceu para tirar a foto”.

Dei mais uma olhada no derredor e lá estava o mar lindo, a montanha mágica, a brisa leve, o silêncio e o amor de Rosinha e do Weslley. Eram pobres, chegaram na mesma moto com a qual o rapaz ganha a vida fazendo entregas. As flores da grinalda e do buquê eram do jardim da patroa da moça – que não foi convidada. Pedi para abraçar o casal e depois do acalanto, comovido, vi a noiva atirar o buque no mar dizendo “é para Iemanjá”…

Meu caminho de volta foi estranho. Nem acreditava no ocorrido e pensei no dilema proposto por Hemingway a Santiago no “O Velho e o Mar” e considerei não contar esta história para ninguém, mas voltou-me a proposta de Drummond “Tudo é possível, só eu impossível”. É impossível eu não repartir este conto de fadas urbano, carioca, meu e agora dos leitores…