Kawara Welch, mineira de Ituiutaba, foi presa por perseguir um médico durante cinco anos

Resolvi abrir meu coração: estou me sentindo um paquiderme, um bicho pré-histórico daqueles dignos de filme de Spielberg. Creio que se voltasse a ver o “Jurassic Park”, me encontraria naquele “Parque dos Dinossauros”. Explico-me e o faço de jeito intimista, retraçando meu incansável olhar romântico com a lenta adaptação aos modos modernos de expressão sentimental. Complicado, né?!

Sou leitor assíduo de jornais. Sinceramente, um dia sem acesso a vários noticiosos me faz incompleto, algo próximo a deixar de tomar banho ou me encher de cafeína pela manhã. É sim, juro, mas acontece de vez em quando (deixar de ler jornal, pois sou do tipo “limpinho”, e sem café logo cedo não existo). Pois bem, por algum motivo justo, trabalho, acumulei alguns dias sem a prática dessas leituras e, com sofreguidão, perfilei jornais acumulados, uns cinco dias.

Um depois de outro, fui desfilando comentários, editoriais, assuntos novos e continuados. No meio, porém, uma novidade: a aterrorizadora notícia de uma tal Kawara Welch… claro que só pelo nome me vi tentado. Foi com esse pressuposto que retracei leitura nos grandes veículos de comunicação. Devo dizer que a linha diretora de minha atenção estava atenta a entender uma história dividida entre a paixão desbragada e afeto reprimido (viu? Eu avisei que sou do tipo romântico). Chegadinho a um dramalhão, fui em frente.

Viciado em histórias trágicas, vocacionado a me emocionar com conquistas difíceis, coletei comentários sobre a enigmática Kawara e do enredo neurótico mediado por aparelhos modernos: celulares, gravadores, redes sociais. A soma de leituras, contudo, me colocou um sério problema, o significado da palavra “stalking”. Julgo-me fluente em inglês, mas aquele termo me era de algum outro mundo, do planeta pós-moderno, lugar que recuso frequentar. E tem mais, a palavra cabe no difícil, e inacessível (para mim), dicionário dos avanços eletrônicos. Afff, pensei, mas fui em frente tentando decifrar as emoções da moçoila de 23 anos – bonita, a ponto de ser modelo – preparada, declarando-se artista plástica, e sem dúvidas obstinada.

Admitindo que sou colecionador de estereótipos, o fato do caso se dar na minha querida Minas Gerais, em uma cidadezinha no interior, apimentou o enredo. Sempre achei os mineiros discretos, prudentes, ou como reza o imaginário nacional “fiéis da nossa balança”. Pois bem, vamos à trama. Dizem os registros que tudo começou em 2018 quando o médico – que não tem seu nome revelado – atendeu a Kawara (meu Deus, não consigo deglutir tal nome!). Rezam as narrativas que desde então foram mais de 1.300 mensagens, sendo que em um dia houve cerca de 500 ligações. Um detalhe chamou-me a atenção, casado, o objeto do desejo, teria medo de que a esposa descobrisse e, sentindo-se premido trocou o número quatro vezes. De nada adiantou, pois, Kawara investiu também contra a mulher que, aliás, reagiu com veemência.

Por favor, deem asas às suas imaginações e levem em conta o abismo aberto nas profundas cavernas de minha curiosidade. Resolvi ampliar o escopo da investigação que a essa altura me levou ao google, ao X, ao G1, ao Yahoo e tantos outros. Logo aprendi que o caso da desvairada em questão não era único, pelo reverso, integrava longa lista. Quase caí duro quando soube que no Brasil cerca de 155 mil mulheres denunciaram aos órgãos públicos passar pela mesma situação, isso por dia. Minha perplexidade dilatou ainda mais quando as estatísticas mostraram o aumento de 82,2% do ano de 2021 para 2022. Em escala global, o caso era muito mais comum do supunha e revela uma “nova forma de tara” que, credo, tende a crescer.

Aprendi que há estratégias de abordagens, algo do tipo perseguições constantes; conhecendo os trajetos e a rotina das vítimas, os/as “stalkingers” passam a frequentar os mesmos lugares e intensificam chamadas telefônicas revelando detalhes de roupas, escolhas de comidas, compras em lojas, e até a ordem de exercícios em academias. Uma etapa nova se dá quando começam as ameaças e coerções que acabam envolvendo a família, clientela, amigos. Em muitos casos, e isso aconteceu com a mineira em questão, invasões de locais de trabalho e agressões físicas sucedem. Inventa-se uma história de amor inexistente e como se existisse luta-se pela realidade ficcionada.

Aferindo tudo, cheguei a uma conclusão: teria sido melhor não saber o significado de “stalking”. Justifico-me garantindo a preferência por sentimentos que dimensionavam afetos complexos e que, mesmo impedidos, se enquadravam nas linhas permitidas pela relação à dois. Aprendi mais, são passados os dias de “amor em tempo de cólera”. Garcia Marques não previu as novas cóleras. Se vivo, seguramente escreveria “amor em tempo de “stalking”.