Pois é, estava preparando uma coluna de humor, na medida de minhas limitações. Ocorre que os fatos ajudavam.

Considerem a sentença da juíza Pollyanna Kelly Maciel Medeiros Martins Alves que livrou o blogueiro Allan dos Santos do crime de ameaças ao ministro Luís Roberto Barroso. Ela faz uma argumentação até pertinente sobre como caracterizar uma ameaça, mas escorrega feio na conclusão. Diz que não haveria possibilidade de concretização da ameaça, já que o ministro possui equipe de “seguranças qualificados” e um setor de inteligência “igualmente preparado”.

Ora, se um ministro do STF, numa democracia, precisa de “seguranças qualificados” para sair na rua, só pode ser porque está sendo… ameaçado.

Mas também tem humor no comentário do procurador-geral da República, Augusto Aras, quando tentou explicar por que não tomava providências contra o presidente Bolsonaro por não usar a máscara e ainda incentivar outros a não usá-la.

Se um ministro do STF precisa de “seguranças qualificados” só pode ser porque está sendo… ameaçado

O procurador não tem dúvida da ilicitude do comportamento presidencial, afirmou. Mas ressalvou: é caso de multa administrativa. E arrematou: “Falar (no caso das máscaras) em pena de natureza criminal, que é diferente de outras sanções, pode ser algo extremamente perigoso”.

Ou seja, é “extremamente perigoso” denunciar o presidente pela conduta de colocar em risco a vida de pessoas, inclusive crianças.

Tem outra: o procurador disse que não “criminaliza a política”, por isso desmontou a Lava-Jato. O que quer dizer isso? A Lava-Jato não criminalizou a política, apenas apanhou políticos ladrões, assim contribuindo para sanear o ambiente político. Logo, o que fez Aras? Livrou os políticos e criminalizou a Lava-Jato.

O troféu de campeão nesse departamento continua com o ministro Guedes. Fechando a coleção de semanas atrás, mandou ver há dias: “Qual o problema agora que a energia vai ficar um pouco mais cara porque choveu menos?”.

Sabem quão “pouco” a energia elétrica ficou mais cara nos 12 meses terminados em agosto? Só 20,4%, bem acima da inflação, 9,3%, penalizando as famílias mais pobres e toda atividade econômica dependente dessa energia.

Mas, para o ministro, essa inflação também não é problema. Tem inflação também nos EUA; logo, estão reclamando do quê? Estamos ali, mano a mano.

Nem precisava, mas mostramos no Jornal da Globo e na CBN que a inflação nos EUA é menor, o PIB é maior, o desemprego muito menor, a taxa de juros é zero.

Teve mais: o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, numa boa, cometeu a irregularidade de vacinar o deputado Eduardo Bolsonaro — não pela vacina, claro, mas porque o deputado estava sem máscara!

Segue a série: enquanto o próprio governo admite que os reservatórios das hidrelétricas estão no limite do limite, o presidente Bolsonaro, com sua sabedoria de botequim, pede às famílias: apaguem uma lâmpada.

Assim, a gente vinha nessa toada de gozação até ontem. Aí a coisa engrossou. O presidente Bolsonaro, no cercadinho, disparou: “Tem que todo mundo comprar fuzil, pô”. Ainda recomendou o fuzil, o 762, pesado, ressalvou que é caro — por volta dos R$ 14 mil —e aí mandou ver: “Tem um idiota: ‘Ah, tem que comprar é feijão’. Cara, se não quer comprar fuzil, não enche o saco de quem quer comprar”.

Inflação: só não vê quem não quer ver

Não tem mais graça. Aí é ofender a população, especialmente a mais pobre. Os alimentos tiveram forte alta de preço neste ano. O feijão subiu quase 11% em 12 meses e ainda ficou bem atrás do arroz, com alta de 37%.

Eis onde estamos: a inflação alta tira poder aquisitivo das famílias; a crise hídrica encarece a energia elétrica; o dólar e os preços internacionais encarecem todos os tipos de energia, etanol (52,7%, nos últimos 12 meses), gasolina (39%), diesel (35%), gás de botijão (31%); o desemprego segue recorde; o PIB minguando; risco forte de falta de energia.

O presidente manda apagar uma lâmpada, comprar fuzil e badernar no 7 de Setembro.

Não está para brincadeira.