O primeiro sentimento foi de incredulidade. “Isto não pode ser verdade”, exclamou o gerente da Pulse. Mas o fato bruto estava ali, acontecendo. Movido por um visceral ódio à diferença, com um AR-15 nas mãos, uma arma de guerra, que a National Rifles Association chama pudicamente de “defesa pessoal”, o assassino matou 50 pessoas e feriu outras 53, algumas em estado grave

A escolha da Pulse não foi casual. Como em Paris e em Tel-Aviv, os lugares de divertimento, perpassados pela transgressão e pelo “pecado”, tornam-se alvos preferenciais da ira do sectarismo islâmico. Também não foi aleatória a opção  por uma boate gay, pois o movimento inscreve no próprio nome – GAY – uma alegria de viver que é  insuportável aos  que fazem da fé religiosa um exercício de tristeza, intimidação e repressão.

Da incredulidade e do terror nasce o luto.

Investigações apontam que Omar Mateen pode ter sido um gay enrustido

O luto suscita o recolhimento e a reflexão. Uma pausa para pensar as vítimas e seus familiares e o pânico de pessoas que, em momento de lazer, confundiram sons de músicas com estampidos de tiros e deixaram suas vidas para sempre sem nem saber por que estavam morrendo. Faz parte do luto refletir sobre o episódio em seu contexto histórico de guerras e massacres perpetrados por Estados e organizações políticas, que parecem se naturalizar de forma sinistra.

Mas do terror também nasce o medo, sempre de tocaia nestes momentos. Quando as coisas parecem virar de ponta-cabeça, a instabilidade da ordem se torna rotineira, e a insegurança cerca o dia e a noite, o medo, este mau e poderoso conselheiro, se avantaja.

Os demagogos o exploram sem vergonha, suscitando aspirações – legítimas – à proteção. O medo sempre aparece nas crises, determinando atitudes de agachamento e capitulação. Ceder a autonomia a uma organização, ao Estado, a uma liderança, a algo que pareça forte o suficiente para espantar a causa da aflição. O medo esteve presente na aurora do fascismo italiano e do nazismo alemão. Replicou-se na América Latina dos anos 1960, cobrindo com seu manto de angústia as ditaduras que se espalharam pelo continente. Recobra dinâmica agora, na Europa e nos Estados Unidos, projetando novos fascismos e outras aberrações, a defenderem muros, proibições, polícia e porrada para deter esta onda de terror que nada nem ninguém parecem capazes de  controlar.

A esta onda é preciso responder com raiva, solidariedade e coragem.

A raiva dos assassinos que desprezam a vida e matam sem piedade em nome de valores distorcidos e de uma utopia absolutista e intolerante. A raiva de políticos que se aproveitam da dor alheia para instilar o desespero e a miséria de retaliações, que se encadearão interminavelmente por não alcançarem – e não removerem – os fundamentos do terrorismo insano.

A solidariedade – incondicional – às vítimas do terror,  através de palavras, de protesto e de denúncia, de  pensamentos,  na hora de brindar à sua memória,   e de ações,  sob a forma de manifestações.

E, por fim, a coragem, que não é ausência de medo, como recordava Nelson Mandela, mas a disposição de lidar com ele e superá-lo. Os gays a demonstraram em Stonewall, há quase cinquenta anos. E o têm demonstrado as paradas gay, todos os anos, em várias cidades e bairros do mundo, multicoloridas, diversas, bonitas e alegres.

O terror e o medo não haverão de ser maiores do que a raiva, a  solidariedade e a coragem.

Daniel Aarão Reis

Professor de História Contemporânea da UFF

Email: daniel.aaraoreis@gmail.com