Não sei se valeu a pena acordar de um pesadelo que no caso do Iraque durou 20 anos
Acordei de repente. Estranhei os móveis da casa. O dia ainda não tinha dado sinais de vida. Estranhei meu corpo, a ausência do livro que lia antes de dormir e as revistas que me acompanham na despedida da noite. Procurei o celular para saber a hora e a previsão do tempo. Outro estranhamento. Estava com outro celular na cabeceira da minha cama. Que será que aconteceu?
Assustado, comecei a passar a limpo o que havia acontecido. As imagens vivas não saiam da minha cabeça: aqueles aviões que pareciam bumerangues voadores lançados pelos aborígenes australianos e o jornalista informando que meia dúzia saiu do centro dos EUA em direção oeste, enquanto outros seis voavam sobre o Atlântico. Seria um artifício para enganar os inimigos que monitoravam o Irã? Será que teria acontecido alguma batalha ou algum desastre enquanto eu dormia?
Bombardeiro B2: primeira missão, bombardear o Irã
Aos poucos, fui manejando o celular em busca de notícias. Silêncio total. Procurei as redes sociais. Nenhuma informação. Não encontrei um único grupo conhecido dos vários que participo. Nem os atalhos para Instagram, Whatsapp, X e por ai vai. Minha preocupação inicial transformou-se em arritmia. Passei os olhos sobre as condições do tempo: bom, sem chuva, mínima de 15 graus e máxima de 27. Apesar do início do inverno, um dia outonal se anunciava.
Não tenho TV no quarto. Detesto dormir com o aparelho ligado. Retomei o celular para tentar ouvir alguma notícia. Uma voz conhecida anunciou: exatamente seis horas do dia 23 de junho de 2035. “Esse locutor deve ter bebido muito ontem”, pensei com meus botões. Tentei outra emissora. Uma voz feminina repetiu que se tratava do dia 23 de junho de 2035.
Pulei da cama. Até esqueci as barbaridades que estão cometendo no Oriente Médio, palco do genocídio televisivo de palestinos na Faixa de Gaza e os bombardeios no Irã por Israel, agora reforçados por aviões e bombas norte-americanos que a chamada civilização ainda desconhecia. E a Ucrânia? E o fratricídio africano comandado por grandes empresas que o mundo todo insiste em não ver e se nega a comentar?
Paisagem do Oriente Médio criada pelos EUA
A voz feminina anunciou que o noticiário teria início em cinco eternos minutos e que eu deveria selecionar o idioma com imagens ao vivo ou os eventos que tinham marcado o dia anterior. Nenhuma palavra sobre os temas que eu acompanhava pela TV e pelo celular antes de dormir. Será que ainda não acordei? Pesadelo?
Tentei ligar para Luís, um médico amigo irmão que ainda acredita no funcionamento dessa máquina infernal chamada corpo humano. Desisti. Provavelmente ele poderia pensar que se tratava de alguma brincadeira de mau gosto. Não quis correr o risco. Desliguei. Mas o celular não desligou. E ouvi a notícia que questionava minha sanidade mental. Naquele dia o mundo comemorava o décimo aniversário do desastre nuclear provocado pela insanidade de um dirigente norte-americano e aliados.
Impossível! Me recusei a acreditar. Ainda ontem. esse (aquele?) imbecil declarou que havia destruído os principais reatores iranianos que estariam produzindo urânio com concentração do isótopo físsil 235U, essencial para reações nucleares. Urânio natural contém apenas cerca de 0,71% de 235U. Para produzir armas nucleares precisa aumentar a concentração acima de 90%.
Desde o desastre de Chernobyl em 1986, na antiga União Soviética, o enriquecimento de Urânio virou uma ameaça para a paz mundial e é usado para justificar invasões e conflitos para impedir a produção de armas atômicas. O episódio mais conhecido foi a invasão do Iraque, onde não foi encontrado o menor sinal desse enriquecimento de urânio. Tampouco no Afeganistão. Hoje(?), apenas 5 países possuem “oficialmente” armas nucleares reconhecidos pelo Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP): Estados Unidos, Rússia, Reino Unido, França e China. Foram os primeiros a desenvolver e testar armas nucleares, e o TNP reconhece esse status. Mas todo o mundo sabe que Israel, Coreia do Norte, Índia e Paquistão, pelo menos, possuem esse armamento.
Usina nuclear no Irã que o mundo todo acompanhou
Não era pesadelo. Eu me encontro em 2035. Bastou me recompor minimamente para conferir que a guerra do Oriente Médio havia se propagado de forma incontrolável e acabou estabelecendo um grande acordo internacional com a proibição absoluta de qualquer arma nuclear e uma rígida fiscalização.
Quando fui dormir, não tinham sido documentados como história os episódios que tentam contar como foi a morte de mais de 4 bilhões de habitantes. Será que o mundo aprendeu na marra a respeitar os limites planetários? Não sei se valeu a pena sobreviver! Ou simplesmente acordar.
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