Sempre soube que morar no Rio de Janeiro seria uma experiência e tanto. Mas ninguém me avisou que escolher Copacabana, a “princesinha do mar”, seria como assinar um contrato inalterável para ser figurante num reality show de verão eterno.

Tudo começou quando me mudei para um apartamento perto de uma das entradas do bairro. Inocente eu, pensando que seria apenas mais um morador anônimo, um cidadão aposentado que resolveu gozar a vida. Mal sabia que me tornaria o ponto de apoio não-oficial da diáspora turística global. Parentes? Lógico, a casa é do tamanho do coração. Amigos? Claro, sempre bem-vindos e até me nomeei “embaixador da amizade”. Amigos de amigos? Ok, a casa aguenta. Mas quando o cunhado do amigo do porteiro aparece com três mochilas e um “é rapidinho, só vou deixar minhas coisas aqui”, ou “posso usar o banheiro”, você percebe que seu lar virou um lugar oportuno, um depósito de bagagens com vista para o mar.

A praia, aquela faixa de areia que nos cartões postais parece um oásis de tranquilidade, na realidade é um campo de batalha. O morador de Copacabana não vai à praia – ele desembarca nela, como um general tático. Precisa calcular a maré, o movimento dos ambulantes, a densidade demográfica em volta dos postos 1 ao 6. Um metro quadrado de areia vale mais que bilhete de viagem interplanetária. E pior: você sabe que aquele espaço que conquistou com suor e protetor solar fator 70 será invadido por um grupo de argentinos armados de “sí, sí, como non”.

Os eventos são capítulos à parte nessa epopeia dantesca. Quando anunciam um show na praia, o morador experiente já começa a estocar mantimentos, como se preparasse para o apocalipse. Madonna, a rainha do pop que nos presenteou com sucessos globais como “Like a Virgin”, arrastou milhões. Lady Gaga, a Mother Monster, conhecida por hinos como “Poker Face”, nem precisou de um show oficial para ter sua legião de admiradores marcando presença e elevando a frequência sonora do bairro.

E o Réveillon? Ah, o Réveillon. A virada do ano não é uma celebração, é uma blitzkrieg. Aquele bairro com 160 mil habitantes se transforma em uma zona de guerra festiva que acolhe 2 milhões de pessoas. Garrafas de espumante voam como granadas, e o banheiro mais próximo é qualquer muro. No dia seguinte, a orla parece cenário de filme pós-bombardeio, com restos de churrasquinho e copos descartáveis. Nem vou falar dos odores, dos apertos e dos celulares que mudam de donos.

O comércio local, sempre esperto, encara a alta temporada como uma licença poética para a criatividade financeira. Aquele café que custava R$ 3,50 em novembro, em janeiro vira “expresso artesanal” a R$ 12. A água de coco sofre uma inflação que humilharia o governo. E o pior: você, morador, paga o mesmo preço que o turista – afinal, no carnaval da economia, todos são foliões.

O barulho é outra constante. Copacabana não dorme – ela cochila entre um funk às 3h e o primeiro helicóptero da TV Globo sobrevoando algum evento às 6h. Dias de jogo no Maracanã transformam a orla num estádio ao ar livre, onde torcedores de todos os times (e alguns que nem sabem qual jogo está rolando) discutem futebol em volume de estádio. E quando não é o futebol, é o ensaio da escola de samba, o carro de som político, o vendedor de queijo coalho que insiste em usar o mesmo jingle há 15 anos.

Mas então, por que insistimos nessa vida? Por que não nos mudamos para algum bairro tranquilo, onde o maior evento da semana é a feira orgânica? Por que não montamos casa na serra? Nos confins de um hotel fazenda? Por que, meu Deus?

Ah, mas aí vem o passeio no calçadão, o sambinha nos quiosques, aquele momento em que o céu pega fogo e o mar vira espelho, e por um instante até os vendedores ambulantes fazem silêncio. Ou a manhã de semana fora da temporada, quando a praia é só sua e de mais meia dúzia de madrugadores. Ou aquele bar da esquina que conhece seu pedido antes de você abrir a boca.

Copacabana é assim: uma relação amor-ódio que você não troca por nada. É como aquela paixão adolescente – te enlouquece, te esgota, mas quando pensa em terminar, ela te dá um beijo e tudo recomeça. E você, resignado, aceita seu destino de anfitrião involuntário do mundo, sabendo que no fundo – bem no fundo, entre uma reclamação e outra – adora cada minuto desse caos e, confesso, queria que minhas cinzas ficassem por lá… para sempre!