Toda nação tem seus personagens inesquecíveis. Uns entram para a História por suas ideias brilhantes, descobertas, invenções, poesias, feitos gloriosos. Outros ficam eternizados pelos atos heroicos, pelas lutas justas, pelas campanhas que mudaram destinos. Mas há também um terceiro tipo, mais raro, mais exótico — quase folclórico — que se eterniza não por genialidade ou bravura, mas por aquele misto de audácia, ingenuidade, teimosia e uma pitada generosa de maluquice. Gente que a História não sabe bem se coloca na galeria dos heróis… ou na prateleira dos casos malucos.

Foi assim que o Brasil conheceu Débora. Sim, ela mesma. Débora Rodrigues, cabeleireira de Paulínia, 38 anos bem vividos, mãe de duas crianças, especialista em progressiva, hidratação, reflexo, luzes e, por que não, em confusão. Mulher de fé. Mulher de fibra. Mulher de opinião. Mas, acima de tudo, mulher capaz de atravessar mil quilômetros, deixar marido, filhos, secador e escova para trás, e ir parar bem no meio do maior furdunço político já visto na história recente do país.

Débora não queria ser apenas a cabeleireira do bairro. Não! Queria ser um símbolo. Uma lenda. Uma estátua viva da bravura suburbana. Enquanto as colegas se contentavam em postar frase de efeito nas redes sociais ou brigar em grupo de WhatsApp, Débora foi além. Partiu em romaria civil rumo a Brasília — terra santa dos protestos improváveis.

Cabeleireira Débora assinou com batom sua presença em Brasília em 08 de janeiro de 2023

E não foi de qualquer jeito, não. Foi com planejamento. Calculando rotas, pegando carona em ônibus alugado, levando marmitinha, lanterna, colchonete e, claro — item indispensável — o batom vermelho. Mas não era qualquer batom. Era aquele vermelho aberto, de presença, que não pede licença para entrar. Vermelho de domingo de carnaval e baile de forró. Vermelho de mulher decidida.

Enquanto o povo quebrava vidraça, arrancava porta, escalava muro, Débora analisava o cenário com olhar de profissional. Quem passa anos pintando cabelo alheio, amigo, sabe muito bem onde deixar sua marca. Ela não queria depredar, vandalizar, nem levar computador de repartição. Queria eternidade. Queria poesia. Queria arte.

E foi assim que, de batom na mão, marchou até a estátua “A Justiça”, em frente ao Supremo Tribunal Federal. Olhou nos olhos vendados da dama de pedra — símbolo máximo da serenidade, da imparcialidade, da lei — e com a convicção de quem faz um contorno labial perfeito, escreveu seu grito de guerra: “Perdeu, mané!”

Sim, senhoras e sim senhores. Escreveu com batom! Nada de spray, nada de pedra, nada de fogo. Batom. Vermelho. Fatal.

Dizem que ficou bonito. Quase artístico. Alguns viram performance política. Outros, ataque ao patrimônio. Mas, no fundo, aquilo era puro espírito de cabeleireira militante: deixar sua marca sem borrar o rosto.

O problema — sempre há um problema — é que o batom da vida real não tem o glamour das redes sociais. Nem sempre seca rápido. Nem sempre sai fácil. E muito menos apaga as provas do crime.

Dias depois, a PF bateu à porta de Débora. Não era cliente para fazer escova. Era para fazer condução coercitiva. Levaram-na. Levaram tudo. O batom virou prova. O gesto virou meme. A ousadia virou processo.

E assim nasceu a lenda.

Dizem que, em Paulínia, a história virou folclore instantâneo. No salão onde antes se discutia qual shampoo alisava mais, qual creme dava brilho, agora se comentava a saga da patroa justiceira. Uns aplaudiam. Outros se benziam. Muitos gargalhavam.

— “Foi longe demais!”
— “Foi valente demais!”
— “Foi doida demais!”

Débora fez questão de registrar sua participação na invasão ao Congresso, ao Palácio do Alvorada e ao STF

Mas quem conhece Débora sabe: ela não foi pra Brasília para fazer bagunça. Ela foi para fazer História. Ou pelo menos tentar.

Hoje, enquanto responde na Justiça por seus atos, Débora voltou à rotina. Está lá, de novo, firme e forte, aplicando botox capilar nas clientes, corrigindo mechas, fazendo sobrancelha, vendendo batom (de outras cores, por enquanto). Mas basta alguém comentar política que ela ajeita os cabelos, dá aquele sorriso torto e solta:

— “Olha… podem falar o que quiserem. Mas aquele batom… aquele batom ali entrou pra História.”

E entrou mesmo.

Não pela marca.

Não pela qualidade.

Mas pela cena inesquecível: a da cabeleireira de bairro, mãe de dois, guerreira de Paulínia, que atravessou o Brasil inteiro não para roubar, não para destruir — mas para deixar sua assinatura em batom vermelho na estátua da Justiça.

Porque, convenhamos, tem coisa que só o Brasil produz. E Débora, meus amigos, é 100% produção nacional.

Patenteada, com direito a risada, meme, processo — e, claro — lenda.

Lenda popular.

Lenda de salão.

Lenda em batom.