Quando me sentei para escrever sobre o Dia das Mães, percebi que estava diante de um desafio inesperado. Como compor um texto que desse conta do incontável? Como capturar em palavras o que sempre foi matéria de silêncios e gestos? A primeira imagem que me veio foi a da cozinha de casa às seis da manhã, com ela em pé diante do fogão antes de qualquer um acordar. Não havia música, apenas o som discreto da colher mexendo o café. Mas anos depois, ao ouvir por acaso “Mamãe” de Agnaldo Timóteo (1973) num programa de rádio antigo, aquela cena me voltou com uma nitidez que doía. A canção, que na infância me parecia apenas brega e risível, agora soava como um documento preciso de algo essencial que eu não sabia nomear. E no melhor de mim ecoava a voz aveludada do intérprete: mamãe, mamãe…

Há tanto amor, tanta bondade
Em teu viver oh mamãe
Enquanto a vida em mim florir
Tua lembrança há de existir (Agnaldo Timóteo)

Entendi a sensibilidade de Coelho Neto ao intitular seu livro “Ser Mãe É Padecer no Paraíso” (1919). O título sempre me pareceu exagerado até começar a observar minha própria mãe com olhos de adulto. Lembro-me de quando ela ficou acordada três noites seguidas durante minha pneumonia, alternando compressas e medicação sem nunca reclamar. Ou quando, anos depois, descobri que havia vendido a única joia que tinha para pagar uma caprichosa viagem minha ao exterior. Esse paradoxo – sofrer em silêncio por amor – é o que define melhor a maternidade que conheci.

Fernando Sabino em “A Falta que Ela Me Faz” (1956) escreveu: “Não é saudade o que sinto. É uma espécie de amputação”. Li isso pela primeira vez aos dezessete anos e achei dramático. Hoje, depois de perder minha mãe, entendo cada palavra. Há uma qualidade particular na ausência materna – como se o mundo perdesse seu eixo e tudo ficasse levemente descentrado, para sempre. Às vezes, ao imaginar em delírio, um telefonema para ela e acordar lembrando que não há mais ninguém do outro lado da linha, sinto exatamente o que Sabino descreveu: uma espécie de amputação…

Em “Tudo sobre Minha Mãe” (1999), Almodóvar mostra que o essencial da maternidade está nos atos, não no sangue. Isso me faz pensar na professora de português que, percebendo minha timidez, inventou um clube de leitura só para me fazer falar. Na vizinha de casa, uma tal dona Carolina que sempre sabia quando eu estava doente e aparecia com uma canja, embora nunca tivéssemos maiores intimidades. Na dona da banca de jornal que guardava revistas de quadrinhos para mim quando eu era criança, sem eu precisar pedir. Essas mulheres não substituíam minha mãe – ninguém poderia. Mas elas teciam uma rede invisível de cuidados que, vista de longe, compunha um mapa de afetos tão necessário quanto o amor familiar. E de certa forma foram também minhas mães.

Carlos Drummond de Andrade em “Minha Mãe” (1933) conseguiu o que parecia impossível: falar do universal através do particular. Seu poema não é sobre todas as mães, mas sobre a dele – e por isso mesmo fala da minha, da sua, de tantas outras. É assim que a memória funciona: o cheiro do bolo que só ela fazia, o jeito particular como amarrava os cadarços dos meus sapatos novos, o tom de voz que usava quando eu estava doente – detalhes mínimos que carregam todo um mundo. E como esquecer o sabor do quibe, da esfirra, do doce de pistache. Como?

Há um provérbio iorubá que diz: “A criança que não é abraçada pela sua aldeia queima-a para sentir calor”. Minha mãe era minha aldeia inteira. E quando ela se foi, levei anos para entender que o amor que ela me deu era justamente o que me permitiria seguir em frente – mesmo que sempre com esse frio nas costas que nenhum casaco aquece.

Escrever sobre mães é tentar domesticar o indomável. Toda palavra parece pequena diante do amor materno. Talvez por isso recorramos tanto à arte – músicas, livros, filmes – na esperança de que outros tenham encontrado a fórmula que nos escape. Mas no fim, o que fica são os silêncios compartilhados, os olhares entendidos.

Neste Dia das Mães, não tenho presentes grandiosos nem declamações elaboradas. Tenho apenas a memória de uma mulher comum que fez coisas extraordinárias todos os dias sem nunca esperar reconhecimento. E a certeza de que, em algum lugar entre o cheiro do café da manhã e o som das panelas ao anoitecer, está a definição mais verdadeira do que significa amar.