De repente, Bolsonaro aparece em cena sorridente, abraçando Maia e ministros do STF, mais afastado da ala mais ideológica e radical dos seus apoiadores e o ensurdecedor silêncio do estamento militar

Não acredito em Papai Noel. Mas estou muito curioso para descobrir o que teria feito o presidente mudar aparentemente os rumos de seu mandato. O fim de semana passado foi rico em manifestações e iniciativas na aparente nova direção do governo Bolsonaro. E não me parece um ato intempestivo. As mudanças já estavam visíveis.

No início do governo, era ostensiva a presença do olavismo a ponto de o próprio assumir que nomeara pelo menos dois ministros. Ao mesmo tempo, a presença ostensiva dos radicais ideológicos incomodava os neobolsonaristas liberais de terno, farda e outros que tais.

Vale lembrar um episódio desse período. No dia 17 de março 2019, antes de completar três meses de governo, o presidente Jair Bolsonaro participou de um jantar na residência oficial do ainda embaixador do Brasil em Washington, Sérgio Amaral, que foi porta voz de FHC. Dois ideólogos do pensamento de direita, o escritor Olavo de Carvalho e o ex-estrategista da Casa Branca, Steve Bannon estavam sentados à esquerda e à direita de Bolsonaro durante o jantar. 

Embaixador fala para o presidente Bolsonaro sentado entre Ateve Bannon e Olavo de Carvalho

O discurso do ministro Paulo Guedes durante o jantar foi ilustrativo. Dirigiu-se a Olavo de Carvalho, influente nas ideias conceituais adotadas pela cúpula da administração Bolsonaro: “Você é o líder da revolução”. O jantar teve tradução simultânea. A presença e os destaque de Carvalho e Bannon naquele evento nos EUA indicava que os radicais estavam cada vez mais fortes.

O enfraquecimento de Paulo Guedes coincidiu com a expansão da pandemia, o que expôs as contradições entre o neoliberal Guedes e o projeto de reeleição de Bolsonaro. Antes, porém, registre-se o primeiro aviso que foi o descarte do general Santos Cruz em junho de 2019. Seu pecado: defender publicamente a Operação Lava Jato. O general sempre foi um respeitado militar, uma liderança que parecia intocável e lhe dava condições de não atender ordens e falar o que pensava.

Em abril de 2020, o conflito com Sérgio Moro, símbolo da Operação Lava Jato, resultou no pedido de demissão do ex-juiz depois da famosa reunião de ministros no dia 22 de abril, e reforçou o recado dado com a demissão do general Santos Cruz ao reforçar publicamente que não havia superministros intocáveis. Luiz Mandetta, ministro da Saúde e superestrela governamental no enfrentamento com a Covid já havia provado desse veneno.

Abril foi um mês emblemático.

Expressões que falam por si: gal Braga, Bolsonaro. gal Mourão, Moro e o Chanceler

O presidente estava incomodado com o andar da carruagem. Interpretava qualquer movimento institucional como se fosse uma ameaça ao seu governo como sua reação diante das decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), que usurpariam suas competências como presidente e teriam como objetivo desestabilizar o seu governo. O que fez: radicalizou o discurso, deu a entender que estava disposto a ir para o confronto e ameaçou usar as Forças Armadas para intervir no Judiciário.

Flagrante da manifestação em frente do Quarte General do Exército em Brasíla em 19 de abril

No dia 19 de abril, o presidente Jair Bolsonaro fez um discurso em ato que pedia “intervenção militar” e o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF), em frente ao Quartel General do Exército, em Brasília. Nesse mesmo dia, o Brasil atingia mais de 2.400 mortes confirmadas devido ao coronavírus. O episódio despertou críticas de ministros do STF, governadores e parlamentares. Há quem diga que, na verdade, Bolsonaro teria alcançado o objetivo de desviar o foco da discussão sobre a pandemia e as medidas necessárias para contê-la.

Em outra frente, o amadorismo tem marcado, desde o início, a política externa da gestão Bolsonaro, o que desgastou a boa imagem do país nas esferas internacionais. Fanáticos como Olavo de Carvalho e seus discípulos como o assessor para assuntos internacionais da Presidência da República, Filipe Martins e do chanceler, Ernesto Araújo, à frente, estavam conduzindo essa política para a beira de abismo.

Na campanha eleitoral, Bolsonaro já insistia que a China estava comprando o Brasil. Bolsonaro não tinha ideia de que se tratava do nosso maior parceiro nas relações comerciais. No governo, alinhou-se automaticamente com a política externa de Trump sem qualquer contrapartida. No Oriente Médio, por pressão dos seus apoiadores evangélicos, alinhou-se com Israel, que tinha e tem baixíssima participação comercial, provocando reações do mundo árabe, principalmente pelo anúncio de que mudaria a embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém. O setor do agronegócio quase entrou em pânico.

A posição de Trump na corrida eleitoral nos EUA não é animadora paraBolsonaro

A postura de confronto aberto provocou reações críticas ostensivas das principais lideranças da União Europeia tratadas pelo nosso presidente como comunistas. Chegou a ser deselegante e desrespeitoso com o presidente francês e a ministra alemã. Parecia um “macaco dentro de uma cristaleira”.

O desastre da política externa poderia provocar também estragos inimagináveis nas forças armadas, que historicamente nunca admitiram uma postura subserviente diante dos norte-americanos. A compra de uma frota de 36 caças Gripen da Suécia e a pressão dos militares para o governo não abrir a mão da tecnologia chinesa 5G são apenas dois exemplos atuais sobre o não alinhamento com os EUA em questões de segurança.

A reação da comunidade militar colocou um freio na ação dos filhos do presidente, principalmente o 03, que preside a Comissão de Relações Internacionais da Câmara Federal. Esse freio tornou-se mais rígido depois dos escândalos envolvendo o filho senador no tempo em que era deputado estadual no Rio. Pode-se concluir que não foram poucos alertas que os militares da ativa enviaram. Não se trata de ladrar apenas, como fez o general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional. Ainda em abril, ele divulgou uma nota alertando sobre “consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional” caso a Justiça determinasse o confisco do celular do presidente, o que não ocorreu.

Esse quadro visivelmente instável alimenta a oposição política no Congresso Nacional. A rota de confronto aberto conduzida pelos setores mais radicais do bolsonarismo, em especial os seguidores de Olavo de Carvalho, apontava por soluções de força que não interessavam aos militares da ativa. A nomeação massiva de militares na cúpula do governo não foi suficiente para serenar o descontentamento na caserna.

A saída teria de ser política, contrariando o discurso eleitoral que prometia uma “nova política” sem conchavos e ou concessões em troca de apoio no Congresso. Seria necessário abrir negociações com o chamado centrão, formado por partidos inexpressivos, mas composto por profissionais na política do toma lá dá cá. Posta em prática, essa iniciativa incomodou os aliados. Mas os resultados foram surpreendentes. Até mesmo as ameaças legais que ainda rondam os filhos do presidente acabaram ficando em outro plano.

A grande imprensa tem tripudiado sobre o que chama de República da Tubaína apesar do o afastamento de extremistas e lavajatistas sob a benção do centrão. Mas foi a forma encontrada para livrar a família Bolsonaro dos incômodos jurídicos anunciados – as rachadinhas do Zero 1 e as fake news impulsionadas pelos filhos Zero 2 e Zero 3 – e manter viva a campanha para a reeleição em 2022.

Ainda não se conhece o (s) autor (es) dessa estratégia e do convencimento do Bozo. Mas chama a atenção a docilidade com que o capitão mudou o rumo, o discurso e sua relação com o Centrão no Congresso Nacional.

No último fim de semana, Bolsonaro foi à casa do ministro Dias Toffoli comer pizza e assistir a um jogo do Palmeiras. A imagem dos dois abraçados, como amigos que se reencontram para torcer pelo mesmo time, é um retrato dos novos tempos em Brasília. O extremista que prometia romper com o establishment passou a dançar conforme a velha música, escreveu Bernardo Mello Franco de O Globo.

Os três filhos do presidente enrolados com fake news e rachadinhas

Eu não acredito em Papai Noel, repito. Assim como não acredito que o exercício do poder tenha moderado Bolsonaro. Até porque a história recente mostra que o presidente pode mudar de bússola novamente e reassumir a postura beligerante que marcou sua caminhada ao longo dos últimos anos.

Tudo indica que um acordão o uniu a políticos que demonizava. Como diz Franco, “a turma quer blindagem e sossego, mercadorias que Gilmar sempre soube entregar. A fantasia da conciliação pode ser rasgada a qualquer momento: basta que o capitão se sinta seguro para chutar os aliados de conveniência. Enquanto essa hora não chega, todos celebram a paz com brindes de tubaína.”

Mas também não excluo a possibilidade de ser uma mudança mais sólida sob a batuta dos militares cansados do perigoso clima de guerra e circo. Além disso, o mundo assiste o embate que se trava nos EUA, que poderá destronar Donald Trump e emplacar Biden, um democrata conservador sem carisma, no comando da Casa Branca. Um cenário que assusta menos o estamento militar brasileiro do que as aventuras até agora protagonizadas por Bolsonaro.

A revista Veja dessa semana comemora com a matéria de fundo: “DEPOIS DOS GRITOS DE GUERRA, O ACORDO DE PAZ”. Será?