Como sempre, respondi de pronto. Como sempre, levei para pensar melhor. Como sempre, surpreendi-me com o progresso dos argumentos e resolvi escrever sobre isso.

A pergunta inicial, por tola que fosse, encerrava um desafio existencial: faria tudo outra vez, tudo do mesmo jeitinho? A questão surgiu a partir de uma canção que servia de fundo para um almoço que celebrava a data do meu aniversário, do dia em que comemorava meus inacreditáveis 79 anos. Creio que havia uma ponta de maldade naquela indagação que, por indiscreta que fosse, cabia naquele momento. Mas, perversidade mesmo correu na minha resposta lisa, tão boba quanto imediata e desviante. Disse sem solenidade alguma que sim, quase parodiado a cantora Simone que gemia baixinho as palavras propostas por Gonzaguinha “Começaria tudo outra vez/ Se preciso fosse meu amor/ A chama no meu peito ainda queima/ Saiba, nada foi em vão”. Não satisfeito com a ligeireza do meu rebate, fiz ressuscitar os chavões complementares, algo do tipo “eu não seria quem sou se não tivesse passado tudo que passei”. Outras bobagens correlatas foram emendadas, mas… Mas, retomadas na solidão de mim mesmo a conversinha convocou gravidades.

Gonzaguinha inspirou a reflexão do autor

Não! Eu não faria tudo outra vez se possível fosse. Não mesmo. Legitimei muita besteira vida corrida, falei coisas que não devia, abusei de horas inadequadas, escrevi linhas que me fazem perplexo ante a mim mesmo, detratei pessoas que não mereciam, embarquei em rotas vexaminosas. Nossa, seria bom se pudesse apagar determinados episódios, cancelar situações que endossei, retirar apoios indevidos. E me dói saber que não devia estar em lugares que me constrangem lembrar, e ainda mais: com certeza, teria brigado com mais ardor por algumas causas. Ah se eu pudesse!…

Pares de dúbios se fizeram coro naquela dança de arrependimentos, e até maldisse minha memória sempre tão benevolente, facilitadora de escusas e esquecimentos convenientes. Seria horrível viver sem deixar de lado algumas passagens e, nesse sentido, achei-me piedoso demais comigo mesmo. Sutilmente, me aperfeiçoei em aniquilar os tais “maus momentos” e tenho seguido em frente como se o passado fosse um conjunto de lições boas, e eu aprendiz exemplar. Entendo agora a dificuldade que temos em pedir perdão e em viver arrumando sentido para os nossos desvios. Contestando Fernando Pessoa – imaginem – cheguei ao momento penitente que me permite reconhecer que minha alma não é grande e que nem tudo vale a pena e sequer cabe na palavra “experiência”. Não mesmo.

E quando “havia uma pedra no meio do caminho”?

Imagino que o avesso dos meus argumentos impresumíveis esteja latejando em alguns interlocutores que podem insistir no “mas não fossem as pedras do caminho…” Ah, os tropeços! Verdade. Mas, quem disse que quebrar a cara resultaria em um eu bem emendado? Como saber? Chegar a essas constatações, juro, implica dores, arrependimentos, retomadas. Implica também estabelecimento de novas metas, retraços que podem encolher supostos triunfos e nos resultar mais humildes e mansos. É, aliás, exatamente este o ponto chegada do balanço vivencial, pois a vida continua e a provocação do existir exige pretensões que se encerram na fatídica sentença: e agora? Que fazer daqui para a frente?

Sabe, se pudesse, se me fosse dada a beleza do diálogo, com toda ternura do mundo perguntaria a quem me lê: faria tudo outra vez? Faria?…