Lula insiste que nunca soube de nada, nem antes, nem durante e nem depois, e faz de conta que não é ele que envia Paulo Okamotto para acobertar falcatruas de diferentes origens. Paulo de Tarso deu entrevista à grande imprensa em junho de 1997, quatro anos depois de iniciar sua cruzada para expor suas provas à direção do PT sobre a corrupção que existia em administrações petistas e que envolviam o compadre de Lula, advogado Roberto Teixeira. Paulo de Tarso foi expulso do partido em fevereiro de 1998 enquanto Teixeira foi um dos homens fortes nos dois mandatos de Lula. Confira e tire suas próprias conclusões.

 São Paulo, 23 de março de 1995

AO PRESIDENTE NACIONAL DO PARTIDO DOS TRABALHADORES LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA

 Companheiro Lula,

Há muitos meses que eu pretendia falar, ou ao menos me comunicar com você, pessoalmente, para que não pairasse qualquer mal-entendido. Só não o fiz antes por causa da campanha eleitoral. Creio que agora que você reassumiu a presidência do PT poderemos esclarecer o que ocorreu, em 1993, na administração petista de São José dos Campos. Esclarecer com o companheiro Lula não mais como candidato, mas como liderança máxima do PT, um partido que veio para mudar a História desse país.

Serei objetivo para que, se houver interesse de sua parte e da direção do PT, possamos aprofundar o assunto no momento e no local mais convenientes.

Tive a (in)felicidade de, como secretário da Fazenda de São José dos Campos, descobrir uma série de irregularidades do governo anterior, que envolviam políticos comprometidos com o PTB, PMDB e com o famigerado PRN [partido do ex-presidente Fernando Collor de Mello]. Uma dessas irregularidades envolvia uma empresa bastante conhecida das administrações petistas: a CPEM – Consultoria Para Empresas e Municípios.

Essa empresa era representada por pessoas ligadas à direção do PT, como os irmãos Roberto e Dirceu Teixeira. Outras vezes, era apresentada até pelos prefeitos em exercício, como no caso de Campinas, em 1990, em que o prefeito era o então petista Jacó Bittar, como uma empresa de gente amiga e que poderia ajudar nosso Partido. Essa história é longa e nós, eu e você, tivemos oportunidade de conversar sobre o assunto, na primeira sede do governo paralelo. Aliás, foi o próprio Jacó Bittar quem me trouxe, pessoalmente, como militante petista e secretário das Finanças de Campinas, para essa conversa com você. Soube, posteriormente, que o mesmo se sucedera em outras administrações petistas, como no caso de Santo André, Diadema, Santos e Piracicaba, pelo menos. Eu me lembro muito bem que foi difícil convencê-los, no caso de Campinas você e o Jacó, que não era conveniente contratar uma empresa, sem licitação, para desenvolver um trabalho que as equipes internas das prefeituras tinham condições para executar.

Em 1993, fui convidado e assumi o comando da Secretaria da Fazenda, indicado, segundo o pessoal de São José dos Campos, pelos então deputados federais Aloízio Mercadante e José Dirceu. Com certeza, nunca solicitei nada a esses dois companheiros. Minhas ações sempre foram norteadas por princípios adquiridos ao longo de minha vida e dos quais não abro mão. Afinal, são valores que custaram muita luta, prisão, tortura, morte e exílio para centenas de companheiros e amigos.

Logo no início do governo petista em São José dos Campos, verifiquei que a CPEM era uma das maiores credoras da Prefeitura: já havia recebido mais de US$ 10 milhões e teria, ainda, um crédito superior a US$ 5 milhões, cujo pagamento jamais autorizei, apesar das pressões recebidas.

Em pouco tempo, levantei as irregularidades que marcavam o contrato com essa empresa, favorecendo o que havia de mais podre no cenário político do Vale do Paraíba. Fiz questão de alertar a direção do PT e, em particular, Paulo Okamotto. Aproveitei uma reunião de secretários das Finanças, em Ribeirão Preto, no dia 23 de abril de 1993, para alertar os demais companheiros sobre o risco que poderiam correr caso contratassem aquela empresa. Acabei sendo admoestado pelo próprio Paulo Okamotto por ter falado demais em uma reunião que havia pessoas de outros partidos. Nesse dia, entreguei, para o Partido, o início de um dossiê sobre a CPEM, contendo o parecer da comissão de sindicância que instalara para apurar as irregularidades daquele contrato.

A história é longa, como bem sabe, até por força de nossos encontros e conversas. Cheguei a sofrer ameaças como o cerco promovido por três homens, que estavam em um Gol branco, chapa DQ 4609, posteriormente, constatou-se que se tratava de uma chapa fria, contra o carro oficial da Prefeitura, dirigido por um motorista de carreira.

Apesar de tudo, entre outros sucessos, durante os nove meses que permaneci no comando das finanças públicas de São José dos Campos consegui, a custo zero e sem aumento de impostos, os melhores resultados financeiros da história daquele município. O orçamento histórico de cerca de US$ 100 milhões aproximou-se de US$ 250 milhões em 1994. Consegui provar, inclusive na Justiça, que a CPEM era inidônea – foi condenada a devolver US$ 10,5 milhões para os cofres municipais.

O prêmio foi minha exoneração na noite de 13 de setembro, coincidentemente no mesmo dia em que encaminhei, pela manhã, formalmente, à Prefeitura e ao secretário de Assuntos Jurídicos, o resultado da auditoria externa que havia contratado e, ao mesmo tempo, solicitava uma série de medidas contra a referida empresa, junto ao Tribunal de Contas do Estado, Secretaria da Fazenda e à própria Justiça.

Pego de surpresa, cobrei da prefeita o motivo do meu afastamento, uma vez que eu era titular da secretaria que apresentava os melhores resultados práticos. Entre soluços constrangedores, a prefeita me informou que Paulo Okamotto, representando a direção nacional, e Paulo Frateschi, pela direção estadual, “tinham pedido minha cabeça”.

Esses dois tristes personagens sempre negaram o que a Prefeita me afirmara.

Posteriormente, os companheiros Aloízio Mercadante e Gilberto de Carvalho, segundo eles, entraram com uma representação junto à Executiva Nacional. Passado mais de um ano e sem qualquer resposta de quem quer que seja, não vejo outra alternativa, a não ser essa: enviar uma carta, devidamente registrada no Cartório de Títulos e Documentos, solicitando do Partido dos Trabalhadores, oficialmente, informações sobre a dita representação e, ao mesmo tempo, que a Executiva Nacional se manifeste a respeito. Temos que impedir que o nosso querido Partido perca seu patrimônio mais importante: a credibilidade crescente junto à população e a confiança de que não seremos condescendentes com dilapidadores de recursos públicos. O PT não pode ser colocado na vala comum dos partidos tradicionais e políticos demagogos descritos pela máxima “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”.

Entenda, companheiro Lula, essa minha carta como um esforço para se evitar que o silêncio, diante de tudo o que aconteceu, possa parecer como uma tentativa de acobertamento das atividades de uma empresa como a CPEM. Atividades que envolveram recursos públicos da ordem de milhões de dólares, financiamento de campanhas eleitorais de partidos e candidatos de direita, contratos condenados pela Justiça, e, no meio disso tudo, militantes do Partido dos Trabalhadores. Terminar em pizza seria um fato muito grave para o nosso Partido e para milhões de brasileiros que depositam sua confiança na sua história construída ao longo de muito sofrimento e luta.

Deixo aqui, pois, formalizados esses dois pedidos e me coloco à disposição do Partido para apresentar todos os documentos que estão em meu poder e prestar todos os depoimentos que se fizerem necessários para se apurar, até as últimas consequências, as responsabilidades sobre fatos que hoje desabonam e desacreditam nosso Partido em todo o meu querido Vale do Paraíba.         Informo, também, que estarei enviando cópias dessa carta para as nossas principais lideranças e instâncias partidárias porque acredito que “a verdade é revolucionária” e que a democracia e a transparência fazem parte do ideário petista.

SAUDAÇÕES PETISTAS

PAULO DE TARSO VENCESLAU

RG 3.563.157 SSP/SP

Militante e ex-presidente do DZ Pinheiros

Ex-membro do Diretório Municipal de São Paulo

Membro do Conselho de Redação de Teoria e Debate

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São Paulo, 9 de abril de 1997

 (Adendo à carta enviada em 23 de março de 1995)

Em comemoração aos dois anos de aniversário de absoluto silêncio e conivência com as falcatruas de nossos dirigentes, estou remetendo, de novo, a carta que registrei em Cartório em março de 1995.

Seria redundante qualquer comentário.

Um abraço, Paulo de Tarso Venceslau

 

PS: A carta original, registrada em cartório, foi entregue pessoalmente, em mãos, a todos os membros do Diretório Nacional do PT, sem exceção. O mesmo aconteceu em 1997. Além disso, história está registrada em farta documentação entregue ao Congresso Nacional e em cópias que em breve serão entregues a centros de pesquisas históricas.

O relatório final da Comissão Especial de Investigação assinado por Hélio Bicudo, Paul Singer e José Eduardo Cardoso, traz conclusões interessantes. Por exemplo:

IV – A CPEM E O ROBERTO TEIXEIRA

Seja como for, parece provável que ROBERTO TEIXEIRA possa ter se valido, de forma pouco ética, da amizade com LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA, para não só se omitir face ao dever de informar e acautelar em relação à CPEM como também para desqualificar denúncias contra a mesma.

No caso presente, parece ser difícil descartar a hipótese de que ROBERTO TEIXEIRA tenha cometido ‘abuso de confiança’ com ‘aproveitamento das relações de amizade’ que mantém com LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA. Entre a defesa da empresa que gerou renda para seu irmão e presumivelmente para si e o interesse público e partidário, ROBERTO TEIXEIRA optou pela primeira. No âmbito desta opção deve ser, portanto, avaliado em sua conduta.

Assim sendo, a presente Comissão de Investigação não pode deixar de concluir que a presumível conduta de ROBERTO TEIXEIRA, na conformidade do que acima se relatou, não se coadunaria com os rígidos padrões éticos que devem orientar as condutas dos militantes do PARTIDO DOS TRABALHADORES. Se em outras agremiações partidárias comportamentos de tal natureza costumam ser aceitos como normais ou não qualificados como dignos de repreensão, no PT comportamentos dessa natureza se colocam como descabidos e inaceitáveis.

É, portanto, dentro desta dimensão que esta Comissão sugerirá ao final deste Relatório à Executiva Nacional do PT a abertura de processo ético-disciplinar contra o militante ROBERTO TEIXEIRA pela prática de grave conduta a ser avaliada e julgada, após regular direito ao contraditório e ampla defesa, pelo órgão partidário competente.

V – AS DENÚNCIAS CONTRA PAULO OKAMOTO

É importante observar que segundo apurado nesta investigação, PAULO OKAMOTO após 1992 não exerceu qualquer cargo, ou parece ter recebido qualquer delegação da Direção do PT para atuar na obtenção de recursos financeiros, em especial para manter contatos com Prefeitos na busca de listas de fornecedores para captação de recursos para o Partido. Devendo a Executiva considerar a diferença entre o seu depoimento e o da Prefeita Angela Guadagnin.

VI – A OMISSÃO POR PARTE DA DIREÇÃO NACIONAL

Claro está, nesta medida, a total ausência de procedimentos e critérios partidários para lidar com problemas desta natureza. As denúncias feitas acerca das condutas de militantes e dirigentes são avaliadas por critérios subjetivos, não formalizados, fora de padrões básicos universalmente conhecidos para a apuração de quaisquer espécies de denúncias, de forma a deixar ao desabrigo a pretensão do denunciante, e até a própria segurança partidária de ter eventuais violações éticas investigadas e punidas. Inclusive, sempre que for o caso, as infrações éticas decorrentes até de acusações difamantes não provadas.

Assim sendo, é imperativo que o PARTIDO DOS TRABALHADORES equacione esse problema, para que fatos como estes que estão em investigação não mais voltem a se repetir.

Nesse sentido, na parte final deste relatório sugeriremos a criação da OUVIDORIA DO PARTIDO DOS TRABALHADORES que a nosso ver, poderá atender por inteiro as necessidades partidárias em relação a casos dessa natureza.