A Tupy S.A., uma empresa privada, anunciou a eleição da Ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, e o Ministro da Previdência Social, Carlos Lupi, como membros do seu Conselho de Administração. Quem ganhou menos no Conselho de Administração da Tupy em 2022 levou para casa R$ 500 mil

Na última sexta-feira, a Tupy S.A., uma empresa privada, anunciou a eleição da Ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, e o Ministro da Previdência Social, Carlos Lupi, como membros do seu Conselho de Administração. Segundo a Tupy, foram cumpridos os requisitos previstos na política de indicação da companhia – que incluem “adequada experiência (técnica, profissional, acadêmica)”, “disponibilidade de tempo para o exercício da função” e “complementaridade de competências”.

A Tupy é uma companhia aberta que atua no setor de fundição de blocos e cabeçotes de motores. Tem quase 20 mil empregados, fábricas no Brasil e no exterior, e exporta 70% de sua produção. Com receita total de mais de R$ 20 bilhões em 2022, valia pouco menos de R$ 4 bilhões em bolsa, no dia da eleição dos novos conselheiros.

Caso a Tupy fosse uma empresa estatal, a presença de dois ministros de Estado em seu Conselho de Administração talvez não surpreendesse. É que, embora a Lei das Estatais (Lei 13.303, de 2016) proíba expressamente tal eleição, o Ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, suspendeu liminarmente a proibição, na Ação Direta de Inconstitucionalidade 7.331.

A ação de inconstitucionalidade foi movida pelo Partido Comunista do Brasil – PCdoB nos últimos dias de 2022. A proibição vigorava há seis anos e com ela, portanto, haviam convivido dois governos – sem que haja notícia de que, por isso, alguma estatal tenha sofrido qualquer prejuízo. Mas o Ministro Lewandowski entendeu que, agora, a restrição deveria ser afastada, e com urgência.

A razão da proibição da Lei das Estatais é de uma simplicidade franciscana – como explicou o Senador Tasso Jereissati, relator do projeto, durante os debates no Congresso. Ministros de Estado devem dedicar-se integralmente às suas relevantes funções, e não têm (ou não deveriam ter) tempo para a igualmente árdua tarefa de compreender, discutir, decidir e fiscalizar negócios de grandes empresas.

Ministros Anielle Franco (Igualdade Racial) e Carlos Lupi (Previdência Social)

Mas a Tupy não é uma estatal, o que torna o caso diferente e grave. A indicação de ministros para conselhos de empresas não estatais é inédita e inusitada. É impossível sustentar que as atividades da Tupy envolvem algum interesse público que possa ser minimamente incluído na missão dos ministros, que estão obrigados a dedicar-se com exclusividade aos seus cargos.

O que terá, então, motivado a nomeação? Ao que tudo indica, o puro e simples reforço da remuneração dos ministros. E um reforço nada desprezível. Segundo as informações públicas disponíveis na Comissão de Valores Mobiliários, quem ganhou menos no Conselho de Administração da Tupy em 2022 levou para casa R$ 500 mil.

O governo federal só conseguiu esse bico de alto luxo para dois de seus ministros porque é ele quem manda nos dois maiores acionistas da Tupy: a BNDESPAR – companhia de investimentos do BNDES – que tem cerca de 28% do capital, e a Previ – o fundo de previdência dos funcionários do Banco do Brasil – que tem quase 25%.

Terá a BNDESPAR imaginado que a indicação de ministros sem experiência empresarial ajudará a companhia a melhorar seus resultados? E os conselheiros de administração indicados pela Previ, que votaram a favor da indicação, creem que a atuação dos ministros ajudará na valorização do investimento do fundo na companhia?

Foi em 1995, no primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso, que a Previ comprou parte do controle da Tupy, juntamente com o Bradesco e o Telos – fundo de previdência dos funcionários da Embratel, então uma estatal. Os três eram acionistas minoritários da companhia, controlada pela família Schmidt, fundadora da empresa.

Naquele momento a Tupy passava por sérias dificuldades e estava à beira da falência. A solução vislumbrada pelos três acionistas minoritários foi adquirir o controle da companhia – pagando aos vendedores com a entrega de um dos ativos da empresa, a Tupy Plásticos –, e em seguida capitalizá-la, visando à sua recuperação.

As dificuldades da Tupy demoraram a ser superadas. Em 2003, no começo do primeiro governo Lula, a companhia foi obrigada a renegociar suas dívidas, então na casa dos R$ 700 milhões. Dez anos depois, em 2013, a Tupy converteu suas ações preferenciais em ordinárias e captou quase 500 milhões, mas migrou para o nível mais alto de governança corporativa da B3, o Novo Mercado.

Infelizmente, contudo, o selo do Novo Mercado não impediu que, passados mais dez anos, os acionistas privados, donos de 47% do capital da Tupy, tenham assistido o Conselho de Administração sacramentar, com apenas três abstenções em sete votos, as indicações de ministros de Estado feitas pela BNDESPAR.

Diante do caso Tupy, o que impedirá a BNDESPAR de indicar ministros de Estado em outras empresas privadas nas quais elege conselheiros? Se ministros podem, sem qualquer relação com o interesse público, arrumar uma sinecura na Tupy, por que não podem fazer o mesmo em um frigorífico ou em uma mineradora, por exemplo?

Façam o que eu digo mas não façam o que eu faço, será?

Não é de hoje que o Brasil vem testando o limite da credibilidade de suas instituições. Agora mesmo, coisas que tinham sido corretamente consideradas abusivas – como o vazamento por autoridades de dados bancários e comunicações telefônicas – voltaram à rotina. A cada eleição, recursos públicos mais vultosos são destinados a partidos políticos, sem adequada prestação de contas. E por aí vai.

Mas a eleição dos ministros para o Conselho de Administração da Tupy testa um novo limite e é mais um ato de esgarçamento das nossas instituições, exatamente na área que foi o calcanhar de Aquiles dos governos do PT: a confusão entre interesses públicos e particulares, a apropriação de recursos privados por agentes públicos e o completo descaso com os recursos estatais investidos nas companhias abertas brasileiras.

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Esclarecimento: TIVE E TENHO ENORMES ESPERANÇAS QUE O PARTIDO DOS TRABALHADORES FARÁ UM BOM GOVERNO CAPAZ DE ISOLAR A EXTREMA DIREITA. ESSA É A RAZÃO DA PUBLICAÇÃO DESSE ARTIGO VEICULADO HOJE, 29 DE AGOSTO NO JORNAL VALOR ECONÔMICO. ESPERO A RESPOSTA QUE SERÁ DADA PORQUE O AUTOR MARCELO TRINDADE FOI DIRETOR E PRESIDENTE DA CVM – COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS (Paulo de Tarso Venceslau)  ______________________________________________________________________________________________