Gol histórico de Pelé no Maracanã: foto vendida em leilão por mais de R$ 1 milhão

Meus caros, vamos falar sério sobre uma frivolidade profunda: o futebol, ou mais especificamente, o futebol brasileiro. O tal sport chegou aqui pelas mãos – ou melhor pelos pés – de Charles Miller. Carlinhos, para intimidade, era um caso curioso: filho de ingleses, nascido no Brasil, um pé na etiqueta do chá das cinco, outro no barzinho da esquina. Em 1894, o moço desembarcou em Santos. Enquanto a elite pensava em negócios sérios, Carlinhos trazia na mala o caos em forma de couro: duas bolas e um manual empoeirado. E foi logo para os clubes elegantes. Imaginem: os bacanas do Paulistano, camisas impecáveis, calções intocados, gritando “Go, lads, go!” num inglês engasgado. Esporte de elite, coisa de quem bebia uísque sem careta. O povão assistia confuso, como a uma peça em grego. “Go, lads, go?” Que frieza!

Mas aí entra o gênio “abrasileirador”. A bola, vírus contagioso, escapou dos gramados imaculados e caiu na várzea. E a várzea, meus amigos, é o útero criativo da nação. Sem campo? O meio-fio vira lateral. Sem bola? Uma meia enrolada com trapo, ou uma lata de goiabada vazia. Traves? Dois chinelos velhos ou a imaginação gritando “GOLOOOO!”. E foi assim que deglutimos a tradição e tropicalizamos o jogo de bola.

Charles Miller

O futebol britânico, senhor de terno e cartola, sofreu uma lavagem cerebral tupiniquim. A disciplina rígida? Subvertida pela malandragem. O passe retinho? Estraçalhado pelo drible que faz o zagueiro rodar como pião bêbado. O “gentleman agreement“? Substituído pelo “cala a boca, juiz filho da mãe!”. A ginga entrou em campo, de calções remendados, e nunca mais saiu. Virou invenção caseira, como o samba no pé. O dândi virou herói popular, suando a camisa e carregando o sonho de milhões.

Ah, o futebol-arte! Pelé, Garrincha, Zico… Artistas pintando o gramado com os pés. O passe era um flerte, o drible uma coreografia, o gol um soneto. O mundo nos invejava! A bola cantava, a rede balançava ao ritmo do pandeiro. Éramos reis da gambiarra criativa.

Mas aí, como o primo que volta da Europa falando “actually“, o futebol brasileiro cresceu. Ou achou que cresceu. Saiu da rua e foi morar no condomínio fechado da Série A. O menino sapeca vestiu terno Armani. E o terno, meus caros, é lindo, mas aperta na ginga.

O drible inspirado virou “alto risco” na planilha. O passe de calcanhar, lampejo de gênio, agora calculado por software com PhD. Técnicos? Engenheiros da NASA com pranchetas incluindo a fase da lua e o humor da sogra do goleiro. O jogo por música, fluindo como pagode, foi engolido pelo jogo por algoritmo, frio como planilha de imposto.

E os gols? Ah, os gols! Ainda arrancam gargalhadas e lágrimas. Mas o grito espontâneo “GOOOOOOOL!” vem seguido de… silêncio. Todos olham para a tela, esperando o veredito do VAR. O atacante tava com o fio de cabelo do mindinho 0,3mm à frente? Suspense digno de Hitchcock, só que menos divertido. Como impor código de vestimenta no carnaval.

O jogador-herói virou ativo financeiro. A paixão virou pacote de TV, com dez inserções por minuto e narradores de sotaque “neutro” – insosso como chiclete sem açúcar. Clubes viraram corporações. O gramado, tabuleiro de xadrez com peças mais caras que o PIB de Tuvalu.

Bola de capotão

Então, sobra o quê de brasileiro? O desarme do zagueiro que, no desespero, dá um bicão milagroso. O meia que, no meio de cálculos errados, tira um drible que trava o software adversário. O gol de bicicleta num clássico, desafiando lógica, gravidade e bom senso. O time quebrado que arranca um empate do líder com gol nos acréscimos, feito de alma, suor e sorte. A torcida que, mesmo na zona do rebaixamento, canta, xinga com rimas criativas e acredita que o ano que vem começa diferente (spoiler: raramente começa).

Sim, pagantes de ingressos caros e vítimas do pay-per-view. A alma do futebol brasileiro ainda pulsa. Pode estar engravatada, cheia de estatísticas e com o VAR soprando no ouvido. Mas por baixo desse terno caro, ainda se vê a barra do calção rasgado da várzea e a camisa desbotada do time do coração. A ginga, essa malandra, sempre acha uma fresta. Num passe de primeira, num desarme de trivela, na loucura coletiva da torcida. O futebol brasileiro pode ter virado adulto responsável, mas, no fundo, ainda é o moleque que chuta lata no meio-fio e sonha com o gol mais bonito – ou o mais esquisito. Afinal, só aqui um gol de joelho, torto, sujo, que bate em três zagueiros e no juiz, é celebrado como obra-prima. Isso é arte com humor. E a gente não troca por nada. Vai, Seleção! (Mas, pelo amor de Deus, solta a mulecada pra brincar!)