A entrevista de Glenn Greenwald no Programa Roda Viva, da Televisão Cultura de São Paulo, deixou-nos bastante da ética protestante, especialmente a prática da verdade, de acordo com a consciência social. É importante para o Brasil, quando, segundo Greenwald, não vale a pena vaticinar o futuro de Moro ou de qualquer outro, depois de ter-se eleito Bolsonaro à presidência da República. Tudo é possível.

O mais importante não é subordinação profissional de cada jornalista ao debater com ele, afinal de contas liberdade de imprensa não ultrapassa os limites de uma quimera, no universo da indústria cultural, e na Palestina de Cristo até mesmo Barrabás sabia disso. O jornalista pode acompanhar as diretrizes das empresas, sem abastardar-se, como em outras profissões, o que possui às vezes um preço. Um mestre, professor de jornalismo, está sem trabalho porque, mais de dez anos depois, se demitiu do emprego em solidariedade ao colega despedido.

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Roda Viva da TV Cultura, com novo visual, recebeu Greenwald no dia 02 de setembro

O mais importante nessa entrevista de Glenn Greenwald consiste na superioridade moral e intelectual com que domina seu ofício, a maneira como se coloca perante os leitores e suas consciências sociais. A segurança nas respostas demonstra inquestionável domínio na prática profissional do jornalismo investigativo e, mais do que isto, inquestionável domínio do que lhe é permitido realizar e do que não lhe é permitido.

Um filósofo holandês, de ascendência judaico-portuguesa, Baruch (Benedito) Spinoza, um dos maiores arautos do racionalismo filosófico no século XVII, em particular no campo da Ética, afirmou que “diante dos fatos, nem rir, nem chorar, compreender”.

O barateio do conhecimento no Brasil, a pechincha do estudo, o regateio na disciplina estudantil, colocaram a Educação em mãos irresponsáveis e burocráticas, para não dizer muitas vezes ignorantes e ambiciosos, e ficaram evidentes na entrevista de Glenn Greenwald. Como compreender algo, como quer Spinoza, dando dignidade ao ser humano? Eis o que restou: – ausência de informação sistemática, incapacidade de reflexão e de elaborar perguntas, para não assinalar a dificuldade de falar coerentemente.

Resta rir e chorar, lembrando que disciplina nos estudos significa gastar os fundilhos da calça, e mais: – desejo de conhecer, independente do sucesso. É necessário ter noção de que o saber constitui a maior riqueza do ser humano, que só desaparece com a morte, e não com a falência.

Spinoza

Spinoza, filósofo holandês, referência quando o assunto versa sobre ética

Esse saber rasteiro, multiplicado nos diversos níveis de estudo, do esquema e do espetáculo, inclusive no mestrado e no doutorado, em todas as ciências básicas, viceja há muitos anos, talvez visivelmente desde a Primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, ou do Substitutivo Carlos Lacerda, em 1961. Sem esquecer que Pedro I em 1827 transferiu os encargos do ensino básico aos municípios, com maior desinteresse, o qual aí permaneceu até quase 1950.

Nenhum aluno aprende somente em aulas(?), é imprescindível o estudo e a leitura, sem os quais tudo se torna supérfluo e passageiro, sem os quais tudo não passa de um simples verniz, tão bem representado, como dizia Sérgio Buarque de Holanda, pelo anel de formatura. A disciplina no estudo e na leitura não se confunde em formar fila para entrar na classe ou desfilar na rua em dias de orgulho cívico. Escola não quer dizer depósito também. Significa antes de tudo disciplina pessoal, que o estudante deve aprender com seu professor.

Quem não conheceu um professor capaz de ministrar aulas a partir de um livro só, decorado? Pudera, como dizem, o professor tem recebido como retribuição um centésimo da retribuição de um senador, de um deputado, de um vereador, etc, chamados nossos legisladores, ora, ora, ora. Tal fato é uma realidade, não é explicação, conforme quer o senso comum, acompanhado do sindicalismo tradicional. Possivelmente esta seja a causa de tantos quererem ser candidatos em alguma eleição e poucos desejarem atuar como bons professores. Certa vez, na presença de governador eleito em São Paulo, um deputado reclamou de este ter-lhe oferecido o cargo de Secretário da Educação, e o governador concordou: “É mesmo, este cargo só se dá a um inimigo”.

Por isto, o jornalista Glenn Greenwald revelou grande distinção em sua entrevista. Aqui, o analfabeto, ou o quase analfabeto, ou o analfabeto disfarçado ou, tecnicamente, o analfabeto funcional, assina tudo com uma roda em lugar do nome, traçada de uma só vez, decididamente, com a caneta da hora. É o bastante, para constar das estatísticas.

Como dizia são Paulo de Tarso aos Coríntios: “O destino é de Deus, mas o caminho é do Homem”.

*Evaldo Amaro Vieira, professor titular, usp/unicamp, amarovieira@uol.com.br