José Carlos Sebe Bom Meihy

Confesso que não gosto da atitude sistematizada de antecipação do Natal. Mais que isso: detesto. Eu sempre cuidei de comprar os presentes ao longo do ano, mas era uma atitude individual, gostosa, que fazia ao ritmo da espontaneidade pessoal, não como um mandamento coletivo, orquestrado pelo consumismo ativado. Dizem os especialistas que, devido à crise econômica – sempre ela! –, os comerciantes estrategicamente se apressaram na decoração e aceleram as propagandas como se a “noite feliz” fosse logo mais, algo como um “depois de amanhã”. É demais. Mesmo as crianças já naturalizaram o grande dia que se instalou no cotidiano como marca sem sentimento, como questão de mercado. E assim, perde-se o encanto do tempo certo. Nessa leva, o festejo (des) esperado fica chato, arrastado, ainda mais previsível. O relógio mágico das surpresas se descontrola quebrando até as agonias dos presentes de “última hora” do “corre-corre” que justifica reportagens antes repetidas nos noticiários. Abastardaram-se as emoções, diria entristecido.

Mesmo supondo alguma positividade econômica e comercial nesse deslocamento celebrativo, não vejo graça alguma na troca da festa pela rotina afrouxada, pelos presentes adquiridos com antecipação e quase sempre anunciados. Lentes de aumento evidenciam que tudo se dá por razões econômicas, de giro de mercado, de aumento da oferta de trabalho, e não por escolhas fecundadas no segredo das intenções, cultivadas na guarda até o dia exato. Acabaram com a minha festa particular, com a originalidade da atitude recôndita. A institucionalização dos preparativos empobrece o preparo em mais de uma direção. Quem, por exemplo, ficará maravilhado com a preparação da Árvore de Natal recém posta na sala? De tão usadas, as luzes podem se queimar com o tempo, e é até possível ter que limpar os enfeites que acumularão pó. E os presépios e demais arranjos em verde e vermelho? Ah!, que pena!!!…

Mas, envelhecendo, pensando na contagem regressiva dos Natais que me restam, dei asas às possibilidades acalentadoras de promover novas escolhas. Fiz um longo exercício de compatibilidade com tais modernizações e cheguei a um ponto satisfatório. Ainda que tenha acumulado boa parte dos presentes que pretendo dar a familiares e amigos, resolvi que meu protesto será também pessoal e, ainda que silente, o farei no triunfo do posicionamento singular. Deixarei tudo que falta para a última hora. Afora o que já adquiri, guardarei a expectativa para reinventar a tensão. Tentarei também evitar a contemplação das decorações antecipadas, não me deterei nos adornos ou arranjos, não me deixarei seduzir pelas ofertas e liquidações e tentarei viver como se estivesse num tempo deslocado, imaginário, utópico mesmo, algo como se fosse o insípido mês de março, por exemplo. Como se fora um protesto calado, educo-me para passar ileso pelos corredores de shoppings, pelas vitrines que me atrairiam na normalidade dos dias. Tudo em favor do respeito que devo à memória do que foram meus Natais.

Sabe o que aprendi com esta reflexão? Sabe? Retomei lembranças de um Natal específico em que ganhei de pessoa querida, um professor que muito me influenciou um livro com os sonetos de Machado de Assis, dentre os quais estava o famoso “Soneto de Natal”. Mas, muito mais importante que o conteúdo sábio contido nos versos, o cartão que acompanhava o mimo dizia: “… é importante ver que Machado também teve um lado desconhecido, seus poemas”. Reli os versos, com os quais encerro esta crônica e dilato a proposta do professor querido: os Natais mudaram, eu preciso também mudar. E então leiamos juntos o tal “Soneto de Natal”: Um homem, — era aquela noite amiga/ Noite cristã, berço no Nazareno, —/ Ao relembrar os dias de pequeno,/  E a viva dança, e a lépida cantiga,/ Quis transportar ao verso doce e ameno/ As sensações da sua idade antiga,/ Naquela mesma velha noite amiga, / Noite cristã, berço do Nazareno. Escolheu o soneto… A folha branca Pede-lhe a inspiração; mas, frouxa e manca, A pena não acode ao gesto seu. E, em vão lutando contra o metro adverso, Só lhe saiu este pequeno verso: “Mudaria o Natal ou mudei eu?”