A Educação faz parte de qualquer agenda de desenvolvimento. Há razões específicas para isso, justificativas que não raro se perfilam junto a premência de atenção à saúde, à casa própria, aos transportes e à seguridade social. Alçando a qualidade de direitos inerentes à condição humana, leis regulam o controle de situações que, afinal, dizem respeito à nossa sobrevivência e dignidade enquanto seres diferenciados das demais espécies. Professor que sou, nada contra as escolas, mas convém não deixar para postos menores os temas referentes ao trabalho. É bastante comum ouvir que “o trabalho dignifica”, que “Deus ajuda quem cedo madruga” e que “a honra é recompensa natural do trabalho”. Desdobramento natural disso, a longa lista de frases motivacionais enche os ouvidos de todos e chegam a aborrecer. O exagero é tanto que fica a sugestão de efeitos contrários. Na contramão das loas ao labor, saudando o reverso, preside uma catilinária de “brincadeiras” elogiando a preguiça e a desocupação, e, nessa linha, “o não fazer nada” ganha ares e dizeres que vão do sabor de piada até posturas filosóficas. Em questão o trabalho como virtude ou obrigação penosa, como redenção ou castigo.

Culturas diferentes tipificam o trabalho de maneira a organizar a sociedade e assim submeter tudo ao padrão de poder hierarquizado. Tratados específicos sobre o trabalho enchem bibliotecas e ocupam debates. Recentemente, contudo, um livro se distinguiu surpreendendo leitores globais pelo poder de síntese: “Sapiens”, escrito por Yuval Harari, se transformou em best seller mundial, carreando juízos importantes para a compreensão da história continuada da humanidade. O desafio de alinhavar 70 mil anos de história em cerca de 400 páginas partiu do princípio consagrador do ser humano como o único capaz de subjugar a natureza que em suas complexas expressões nos agregam num esforço de colaboração. Tudo, explica o dublê de historiador e biólogo, presidido pelo princípio da “realidade imaginativa”, ou seja, pela caracterização da cultura, fato que permite aos humanos a transformação das coisas e o arranjo de organizações capazes de articular tarefas continuadas. Harari identificou nesse processo três revoluções complementares: a cognitiva, a agrícola e a científica.

Yuval Harari, historiador israelense, autor do livro Sapiens

Divisor de águas, da primeira para a segunda revolução está a agricultura, fator que orientou reuniões de grupos com fins comuns, todos em torno de ideais dirigidos. Curiosamente, ao contrário das dicções comuns, Harari mostrou de maneira negativa os efeitos da fixação dos humanos à terra, pois daí, da propriedade privada – como pontificara Marx e Engels –, derivaria relações de poder e de exploração dos demais. De toda forma, foi graças a esse momento que o capitalismo se impulsionou, tornando-se viável como sistema político futuro, triunfante porque capaz de explicar a próxima revolução, a científica. Sob o prisma do trabalho e da transformação da natureza.

Atravessando os tempos, a relação de trabalho passou por transformações brutais grosseiramente enquadradas na evolução do escravismo para os servos da gleba e daí para a condição de trabalho depois dos feitos industriais do século XVIII. Os parâmetros universais submetidos aos direitos humanos têm sido gradativamente colocados em questão. Na investida por conquistas, os trabalhadores do mundo tentam compensar as diferenças entre poderes estabelecidos pelo capital em oposição ao julgo de uma categoria que corre atrás da subsistência e de melhor colocação no mundo. Uma das metas do movimento trabalhista mundial remete à formação de uma consciência de classe e o esclarecimento dos direitos é um objetivo que explica a relevância da data de hoje. É exatamente neste quesito que a disputa entre a prioridade da escola se confronta com a do trabalho. Não que uma seja mais importante que a outra, mas não são equiparadas.

1º de maio de 1886, em Chicago, marcou a revolta dos trabalhadores

Historicamente, tudo teria começado em Chicago, nos Estados Unidos, em 1886. Por aquele então, a exploração do trabalho submetia todos a jornadas de 12 horas em situações insalubres, com salários ruins e sem direitos garantidos. Sob inspiração de organizações trabalhistas e de ideias tanto defendidas por pensadores progressistas como até por segmentos religiosos, no dia primeiro de maio iniciou-se uma greve replicada nos dias seguintes. A repressão foi enorme e dela resultou a morte de cerca de 100 operários, e outros muitos foram condenados. A partir dessa data, em diversos países iniciou-se a celebração que ganhou quilate internacional. No Brasil, no conturbado ano de 1917, comemorou-se a data pela primeira vez, mas foi sob o programa trabalhista de Vargas que se tornou grandiosa a celebração.

1º de Maio na praça da Sé em 1919

Passados tantos anos, depois de acontecimentos plurais – alguns festivos e outros dramáticos –, o primeiro de maio deste 2021 ganha significado especial. Em plena pandemia, sob a mais cruel realidade estatística de mortes e desempregos, debaixo de um governo descontrolado e com um programa comprovadamente equivocado, o que temos a celebrar? Nossos sindicatos afogados por normas restritivas, desmobilizados pelos convenientes protocolos de isolamento, tendo a atenção governamental devotada à economia, aos trabalhadores do Brasil resta amargar reclusões, falta de perspectivas, desalento… Mas que haja espaço mínimo para que o grão de mostarda fertilize da árvore do trabalho e que ela renda frutos futuros. Hoje, nada a festejar além da esperança.