José Carlos Sebe Bom Meihy (jcarlosbm@hotmail.com)

 

Nossa, o Carnaval está aí! Tal realidade desmente a máxima que apregoa que tudo começa depois dos três dias de celebração e festa. Nada… O cronômetro está rodando e calendário obedece ao ritmo implacável do tempo que se mostra a cada dia mais acelerado. Pois é, eu confesso que sequer pude apreciar com mais cuidado os temas que as escolas de samba do Rio apresentam e, em consequência, nem pude bem proceder as delícias de quem busca compreender a cultura brasileira pelas manifestações expressas na Marques de Sapucaí. Resultado: tive que apelar para os sites oficiais para filtrar resumos das aludidas “óperas de rua da Cidade Maravilhosa”.

Sabe-se que a “abertura” no domingo se dá pela primeira colocada no Grupo de Acesso que, no caso deste ano, foi a Paraíso do Tuiuti, agremiação que retorna ao Grupo Especial com o enredo “Carnavaleidoscópio Tropifágico“, feito para evocar o movimento tropicalista.

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Em seguida teremos a sempre rica Grande Rio, de Duque de Caxias, da Baixada. Desta vez, a Escola optou pela saudação à cantora baiana Ivete Sangalo, com enredo intitulado “Do Rio ao Rio”.

A Imperatriz Leopoldinense fez uma escolha ousada, pretendendo uma espécie de denúncia da devastação da floresta amazônica e da segregação indígena, com o tema “Xingu, o clamor que vem da floresta” a Escola pretende sensibilizar a defesa do meio ambiente.

A fogosa Unidos de Vila Isabel escolheu falar sobre “O som da cor“, mantendo uma tradição vocacionada aos temas afro-brasileiros, unindo a música às especificidades étnicas que compõem nossa cultura.

A Acadêmicos do Salgueiro, sempre vizinha dos primeiros lugares, optou pelo teatro e leva para a Avenida homenagem ao teatro com “A Divina Comédia do Carnaval” e, com ousadia, vai contar a história dos palcos pelas obras mestras.

Riquíssima sempre, a Beija-Flor de Nilópolis escolheu reverenciar um dos romances fundadores na nossa literatura indigenista, tomando como ponto de partida o cearense José de Alencar, com o enredo “A Virgem dos Lábios de Mel – Iracema“.

Pensando na exaltação à memória africana, a União da Ilha evoca o sentido do tempo, segundo a mitologia angolana com o tema “Nzara Ndembu – Glória ao Senhor Tempo“.

Já a São Clemente propôs algo polêmico desde o nome do enredo “Onisuáquimalipanse“, versando sobre a França pré-revolucionária.

A empolgante Mocidade Independente de Padre Miguel, optou por viajar pelo mundo dos contos árabes e vai recriar “As mil e uma noites de uma ‘Mocidade’ prá lá de Marrakech“.

A Unidos da Tijuca celebra o encontro de dois músicos negros, Pixinguinha e Armstrong, ocorrido em 1957, e, com o tema “Música na alma” vai falar de samba e jazz.

A bem-amada Portela, insistindo em abordagens ligadas às águas, vai entoar “Foi um rio que passou em minha vida e meu coração se deixou levar“; certamente referindo-se a Paulinho da Portela.

A queridíssima Mangueira, evocando a crença e a interferências divinas na vida, encerrará o desfilhe na segunda feira com o enredo “Só com a ajuda do santo“.

 

Frente a esse plantel, como sempre, me questionei sobre o sentido das escolhas para a formulação de pressupostos capazes de assegurar a construção da memória nacional. Sabe-se que os assuntos escolhidos sempre se enquadram em alguns parâmetros objetivos: históricos, de denúncia, homenagens ou pedagógicos. Referências a personagens ilustres ou projeções sobre o futuro também repontam, mas a insistência tem recaído nas referências a fatos notáveis e nos alertas. No caso dos temas históricos, desde a chegada dos europeus até os movimentos de pacificações internacionais se destacam. A preservação da natureza, a doação de sangue, a tolerância, alertam os foliões e o público clamando por atenção especial.

A questão que se coloca, porém, é a seguinte: qual o papel do Carnaval na circulação da cultura brasileira? Desdobramento natural disso remete à pergunta sobre o significado do Rio de Janeiro na qualificação do que é nacional. Por certo, as duas questões exigem argumentos substantivos, mas num breve exame pode-se dizer que a magnitude e mesmo o teor educacional que preside a grande festa não anulam a picardia, o bom humor e graça carnavalesca. Aliás, é exatamente este quesito que explica a perenidade do nosso reinado de Momo.

Perfeitamente integrada à nossa cultura, mantendo a malícia da forma expressiva permitida pela fantasia, o Carnaval do Rio de Janeiro se apresenta como convite que junta o lúdico e a crítica com a alegria. Por certo, cabe reconhecer que esta é mesmo a maior festa popular do mundo. E também uma lição de abordagem de temas relevantes para a nossa gente. Tão relevante é a apresentação na Marquês de Sapucaí que aspectos importantes como o financiamento – ligações com o jogo do bicho e com a contravenção em geral – e o esforço de controle exercido pelas instituições não conseguem diminuir a manifestação.

O elogiável deste ano é a pluralidade temática. Poucas vezes a variação de enredos foi tão completa. A cultura brasileira, por certo, estará brincando entre índios, negros/mulatos, exaltação à natureza, lendas árabes e história geral. Então, Evoé…