“Partida” é a composição de Yaniel Matos (piano), Sidiel Vieira (baixo acústico) e Ricardo Mosca (bateria) que abre o CD do Mani Padme Trio. Abertura que apresenta e representa a forma como os três instrumentistas encaram a música que criam e tocam. Só que a canção não está registrada em partituras; ela foi criada na hora, nascida da cachola buliçosa do trio, predicado este que eleva sua criatividade.
Livres para voar, o primeiro a improvisar é Sidiel. Seu baixo acústico soa bonito, sem pressa, sem aflição. Ricardo e sua bateria vêm a seguir num solo improvisado, pleno de sons secos tirados com as baquetas mais na pele das peças do que nos pratos. Completando o círculo de solos, curtos o suficiente para o ouvinte perceber com quem está lidando, o piano de Yaniel, envolto em acordes dissonantes, cria um desenho habilmente repetido. Na sequência, a bateria retoma o improviso. Tendo o baixo a acompanhá-lo, o piano tem uma bela frase. E assim a criatividade dos três dá sequência à viagem sonora que traduz o espirito da música de VÔ O (independente), título do terceiro CD do Mani Padme Trio.
Além de virtuosos instrumentistas, despertam atenção as músicas de formidável beleza que compõem. (Pitaco: caso assim desejassem, suas composições têm musicalidade apta a ganhar versos, o que, quem sabe?, as tornariam ainda mais profundas e instigantes.)

A poética “Gotas de Rocio” (Yaniel Matos) inicia com o piano de seu autor – suavemente os acordes tecem a melodia. A bateria trisca nos pratos. O baixo acústico toca notas esparsas. O piano volta à melodia. Logo a música ganha ritmo. Os três alimentam com belezas a composição de Yanie: seu improviso é compatível com o romantismo de sua música. E baixo e bateria dão ao piano o respaldo necessário para que, repetindo um desenho mântrico, sua obra chegue ao fim.

O piano inicia “Cais”. Aumentando ainda mais a força que a música já traz em si, o trio se apura em desvelos, gerando novos significados para a obra de Milton Nascimento e Ronaldo Bastos.
“Compreensiva” (Sidiel Vieira) tem levada lenta, aconchegando os três instrumentos, o que dá ainda mais vigor à melodia. E ela é bela, assim como bonito é o arranjo. Os solos do piano e do baixo, cada um em sua vez, tendo a bateria a marcar o tempo, têm a precisão de um relógio suíço.
“Estrada Rural” (Sidiel Vieira) é musicalmente simples, mas rica. Sua linha melódica é daquelas que, de tão singela, poderia ganhar versos (chiii, pitaco novamente?), o que ampliariam seu alcance composicional.

Em “El Vuelo” (Yaniel Matos) o piano repete um desenho de alta tensão amorosa, mântrico o suficiente para fazer-nos voar sobre a obra. A interpretação dos três reafirma o que há de melhor na tradicional formação de piano, baixo e bateria.
“Rosa Morena” (Dorival Caymmi), em ritmo lento, com o baixo solando duas vezes a primeira parte, deixando a segunda parte e o improviso para o piano, é a chave de ouro que fecha um CD de alta qualidade.

Aquiles Rique Reis, vocalista do MPB4