Admiráveis e arrojados, os versos de Céu são loucos. Por vezes delirantes, eles voam livres, soltos. Quase sempre simples, seus versos ora são entusiasmados, ora são profundos, nunca rimados. Energizadas, as palavras são a imagem de sua personalidade. A vida em palavras – universo vivo, desencantador e descarado. Cruas, fascinantes, cruéis, elas, soltas, voam, voam…

O ritmo de Céu é uma fortaleza, recomenda-se não tentar batucá-lo. As levadas de Céu de clássicas não têm nem o menor sinal. Modernas, elétricas, eletrônicas.

A vida de Céu é música. Cantada, tocada, só ou em parceria, sua vida sugere já ter, desde antes de tudo, o seu destino lido na linha da mão. Quando o céu se ajunta com a terra, o horizonte se torna claramente azul ou assustadoramente cinza chumbo. É quando Céu preenche sua vida de cores e canta e chora e recria seu mundo. Mundo que é lá onde o horizonte acarinha o mar e afaga a terra onde o mar habita.

Encantado com Tropix, o quarto CD de Céu, escrevi os parágrafos acima enquanto viajava de Fortaleza para São Paulo. Literalmente nas nuvens – ora sobre elas, ora abaixo ou dentro delas –, senti-me seguro pelo som que ouvia. Não que, em meio às eventuais turbulências, a música me acalmasse; não, ao contrário, o som me provocava, me açulava. Entre vácuos, cumulus nimbus e sacolejos, a sensação de que daquela vez, inexoravelmente, o avião cairia e eu, com alguma sorte, iria para o céu, ouvindo Céu.

 

Capa de Tropix da cantora Céu

Capa de Tropix da cantora Céu

 

Enquanto isso, a sua voz (nada acontece por acaso) me dava a certeza de que com ela o céu continuaria inalcançável (ao menos naquele momento). E foi com essa certeza, advinda da música de Céu, que o avião pousou. E eu fiquei no céu…

Para dividir a concepção musical do álbum, Céu liderou um trio de instrumentistas: Pupilo (percussionista da Nação Zumbi), Lucas Martins (contrabaixista) e Hervé Salters (tecladista francês que, junto com Pupilo, produziu o disco). E tem também algumas ótimas participações, como a do guitarrista Pedro Sá, a de Rosa Morena (filha de Céu, que com ela divide o vocal num acalanto composto em sua homenagem) e a de Tulipa Ruiz, que divide os vocais com Céu em duas faixas.

Sem alardes, Céu entoa seu canto como quem faz a coisa mais banal do mundo. Sua voz brota sussurrada, afinada. Seu timbre embala as levadas. Suas divisões rítmicas são absolutamente coerentes com o que interpreta.

Desde “Perfume do Invisível” (Céu), a faixa de abertura de Tropix, um som contemporâneo circunda o CD. A introdução com sons eletrônicos logo tem a adesão do baixo. E chega a voz… meu Deus! Como se não fosse extraordinária, a voz de

Céu chega quase despretensiosa. Voz que traz em si o germe do espanto que acomete quem presencia o seu poder.

Doce e delicada, Céu é ousada. Desaforada e surpreendente, sua música é enérgica. Suas melodias não respeitam padrões. Admiráveis, suas melodias são a face mais palpável de seu ofício… uma admirável cantora e compositora.

 

por Aquiles Rique Reis, músico e vocalista do MPB4