De Zeca Baleiro guardo momentos de raras liberdades musicais, instrumentais, harmônicas e melódicas. Lambuzei-me de espanto ao ouvi-lo cantar Zé Ramalho em Chão de Giz – Zeca Baleiro Canta Zé Ramalho; arregalei os olhos ao percebê-lo um “profanador” de certezas em Calma aí, Coração; sorri de orelha a orelha ao vê-lo experimentar seu lado lúdico no infantil Zoró (Bichos esquisitos) Vol. 1.

Hoje tenho em minhas mãos Era Domingo (Som Livre), o décimo álbum autoral de Zeca. Após algumas audições, a minha percepção indica um trabalho desigual entre melodias e letras.

O tratamento dado às onze faixas do CD ficou a cargo de igual número de arranjadores e produtores. Todos, claro, deram o melhor de si, até como uma forma de tributo ao compositor, para assim possibilitar a inclusão do repertório atual no rol de obras marcantes na carreira de ZB.

 

Cd Era Domingo de Zeca Baleiro

Cd Era Domingo de Zeca Baleiro

 

Cada um se esmerou para vestir as canções – nove apenas de Baleiro e duas feitas com parceiros: uma com o congolês Lokua Kanza e outra com Paulo Monarco, um craque da nova safra de jovens compositores.

Onze concepções díspares tangenciam o universo de Baleiro, resultando em algo irregular. A cada faixa uma visão instrumental que, perdendo-se na pouca inspiração das composições, não chegam a dar às músicas dele o que elas precisam para confirmá-lo como um compositor que se esmera em criações inovadoras, que salutarmente “maculam” o esperado, subvertem conceitos e alargam experimentações.

Mas as palavras de Zeca seguem afiadas, como de resto elas sempre emergiram da sua alma liberta. Isto, por si só, dá ao CD ares de uma saudável continuidade do que ele já fez. Já o trabalho melódico, rítmico e harmônico eu senti abaixo do que ele já compôs e nos ensinou a amar.

Algumas músicas têm a letra como destaque. É o caso de “Deserta” (ZB e Lokua Kanza): (…) Eu te dou a canção/ Que sai do meu sangue (…), com arranjo e produção de Haroldo Ferretti e Henrique Portugal.

“Desesperança” (ZB e Paulo Monarco), inspirado no poema de mesmo título de Sousândrade, é um rap dito por Baleiro, enquanto ao fundo ouve-se o canto de Paulo Monarco: Eu queria ter os lábios sábios/ E poder saber dizer palavras belas (…). O arranjo e a produção são de Érico Theobaldo.

“Pequena Canção” (ZB): Sou tão pequeno/ Minha pequena/ Como a formiga e a verbena. Arranjo e produção de André Bedurê e Rovilson Pascoal.

“Era Domingo” (ZB): (…) Era do mundo/ Meu olhar perplexo (…). Arranjo e produção de Tuco Marcondes.

 

 

“Homem Só” (ZB): Meu amor gastei em sonhos sem futuro/ Esperanças vãs reduzidas a pó (…). Arranjo e produção de Marcelo Lobato.

À distância, parece-me que Zeca tem trabalhado tanto quanto formiga em piquenique. Envolvido em atividades ininterruptas (e já há algum tempo), assalta-me a sensação de que tamanha quantidade de energia despendida pode embaralhar ideias, dificultando, talvez, a manutenção da excelência.

E de Zeca Baleiro eu não espero nada menos do que genialidade explícita.

 

por Aquiles Rique Reis, músico e vocalista do MPB4