Ah, como invejo meus colegas! Aqueles que, evidentemente, não faltaram à aula crucial sobre como se aposentar com dignidade. Multiplico esse sentimento de cobiça quando os vejo, tão serenos em seus lares, preenchendo as horas com a nobre arte de ler, devorar séries, embarcar em passeios “vagabundos”. Uma delícia, imagino. Eu sou um mistério para mim mesmo; não consigo recordar o que diabos fazia no dia em que a tal aula aconteceu, a aula que, sem dúvida, me teria poupado de ser este vulto que corre de lá para cá. Bem sei que a vida, implacável, não poderia ser de outro jeito, mas talvez pudesse, no mínimo, marcar as horas com uma lentidão mais humana.
Permito-me este desabafo tolo para justificar o inexplicável. Tinha um compromisso acadêmico, desses que exigem a corrida contra o tempo. E, como um tonto, distraído errei o aeroporto. Felizmente, meu “lado mineiro” – aquele empurrão sutil que nos faz sair de casa com três horas de antecedência para um trajeto de dez minutos – salvou-me da catástrofe. Cheguei cedo, claro, o suficiente para, no mínimo, chafurdar na livraria do aeroporto. E isso era um bálsamo, pois buscava um tesouro de Schopenhauer, aquele “Sobre como lidar consigo mesmo”. Dias antes, um anúncio havia me prometido uma edição de bolso, perfeita para a leitura a bordo, um primor de praticidade filosófica. Na livraria, pedi socorro ao computador, que, piedoso, indicou a ajuda de uma funcionária que me levou à sessão de autoajuda… Autoajuda?…
Fingindo indiferença, segui a guia, que, diante de minha evidente pressa, não conseguia localizar minha obscura busca. Meio desesperada, ela arriscou: “Não pode ser outro livro de autoajuda?”. E, sem esperar minha resposta, desfilou um arsenal interminável de títulos prometendo selos mágicos sobre como resolver questões amorosas, de negócios, de saúde, de relacionamentos familiares.
Sabe, comecei a achar interessante como a filosofia, num piscar de olhos, se transmuta em lições de autoajuda. E à medida que me perdia na teia de títulos, minha curiosidade se inflamava. Naveguei por pérolas nacionais como “É Sobre Amor”, de Elisama Santos, ou os “Sintomas: o que mais aprendi quando o amor me decepcionou”, de Marcela Ceribelli. Descobri que “O Amor Não Mora na Urgência do Outro”, de Luana Carvalho, e achei estimulante o imperativo “Seja o Amor da Sua Vida”, de Guilherme Pintto, que foca no amor-próprio como a única base sã para qualquer relacionamento, afinal, antes de amar o outro, é preciso aguentar a si mesmo.
Mergulhei então em outro poço de sabedoria, o da saúde mental e bem-estar, deparando-me com a promessa de que “Quem Ama Não Adoece”, de Marco Aurélio Dias da Silva – uma afirmação tão otimista que beira o milagre. Daí, saltei para as finanças e fui instruído que “Casais Inteligentes Enriquecem Juntos”, de Gustavo Cerbasi, uma afronta aos amantes da miséria individual. Confesso que me entusiasmei com o fervor de “Me Poupe!: 10 passos para nunca mais faltar dinheiro no seu bolso”, de Nathalia Arcuri, e ampliei a empolgação com o visionário “Do Mil ao Milhão: Sem Cortar o Cafezinho”, de Thiago Nigro. Fiquei, admito, muito intrigado com as prescrições do audacioso “Seja Foda!”, de Caio Carneiro. E, mesmo relevando o palavrão nacional, encontrei outros da mesma linhagem iluminada, como “Foda-se: Um Guia Inesperadamente Honesto Para Viver Melhor”, de Mark Manson, ou “A Sutil Arte de Ligar o F*da-se: Uma Estratégia Inesperada Para Uma Vida Melhor”.
Confesso que fui me animando com outros incentivos, como o vigoroso “Vá Se Lascar! E Seja Feliz. Para de Reclamar, Resmungar e Deixar de Viver”, de Marisa de Abreu. E não é que a pluralidade de títulos ia, de alguma forma, dando sentido à minha visita, com alertas tão perspicazes quanto “Chega de Blá Blá Blá: Um Guia Prático Para Criar a Vida Que Você Deseja”, de Gabby Bernstein, ou a clareza cristalina de “Como o Pensamento Positivo Estraga Tudo: Mude sua Mentalidade e Viva Melhor”, de Paul Napper e Anthony T. DeBenedetto.
Com uma timidez que mal disfarçava minha crescente convicção, perguntei pelos clássicos do gênero, e então fui agraciado com o sucesso de “Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas”, de Dale Carnegie, que já vendeu mais de 50 milhões de exemplares mundo afora – um testemunho irrefutável do poder da manipulação social. O mesmo com “Pense e Enriqueça”, de Napoleon Hill, e, claro, “Os 7 Hábitos das Pessoas Altamente Eficazes”, de Stephen R. Covey. E, para as almas mais elevadas, o estilo espiritual e filosófico, focado na consciência plena, de “O Poder do Agora”, de Eckhart Tolle.
Com os minutos correndo, uma tensão dramática entre perder o voo e continuar essa outra viagem, essa jornada inusitada pela iluminação instantânea, acabei por voltar à busca do meu Schopenhauer “sobre como lidar consigo mesmo”. E, diante do abismo de tanto sucesso autoajuda, não pude deixar de reafirmar a mim mesmo que a filosofia, em sua cruel honestidade, ainda me diz mais. Afinal, com tantos livros ensinando a ser feliz e a prosperar, como pode a sociedade ainda ser tão… (in)feliz? É um mistério que nem a autoajuda mais descarada consegue resolver e eu continuo buscando “sobre como lidar consigo mesmo”.
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