O compositor e violonista paulistano Zé Modesto lançou Ao Pé do Ouvido (independente), seu terceiro CD. O repertório, dividido em catorze faixas, tem dezesseis canções – dez só dele e seis com parceiros diversos – e três vinhetas, duas de Zé Modesto e uma de domínio público.

Para gravar, ele concebeu e dirigiu todo o trabalho artístico, que incluiu convidar para participar da festa, dentre outros, Mônica Salmaso (ela não canta, flutua branda e docemente por entre as palavras); Rubi (desde sempre seu timbre de voz me cativou); Sérgio Santos (êta mineirinho que canta bem, sô); Toninho Ferragutti (sua sanfona tem personalidade, daí sua força); Ivan Vilela (violeiro porreta, inventor de causos e cantador de moda); Teco Cardoso (flautas supimpas); Nailor Proveta (o sopro de seu sax é garantia de bom som) e Talita del Collado (eu já conhecia sua bela e delicada voz desde Xiló, o segundo trabalho de Zé Modesto).

Tudo nas orquestrações é sutileza, nada é excessivo: Webster Santos criou o arranjo de “Canavial”, de Zé Modesto, com destaque para a sanfona de Toninho Ferraguti e cantado lindamente por Rubi. Ivan Vilela arranjou “De Vera” (ZM), que tem um belo duo da sua viola com a viola de arco de Fábio Tagliaferri. Zé Modesto, Mário Gil e as Caixeiras do Divino da Família Menezes criaram um lindo arranjo para duas músicas ligadas, “Catarina”, de Gero Camilo, e “Bença Mãe”, de Zé Modesto – interpretadas pelas vozes diferençadas das Caixeiras, é um dos mais belos momentos do CD.

 

Capa do albúm Ao pé do ouvido por Zé Modesto

Capa do albúm “Ao pé do ouvido” de Zé Modesto

 

Contracapa do albúm "Ao pé do ouvido" de Zé Modesto

Contracapa do álbum “Ao pé do ouvido” de Zé Modesto

 

Em Ao Pé do Ouvido, tal como em Xiló, os versos transam com as melodias e com os ritmos, parindo um som impregnado de simplicidade nas canções e arranjos intensamente brasileiros. É um álbum que gira leve, como leve são as cantorias ao pé do fogão a lenha, quando os causos e as modas fluem entre um trago e outro.

Outra qualidade do disco anterior, repetida neste de agora, é o encadeamento bem elaborado do repertório. Mais parece que as músicas formam uma única e indivisível suíte, graças à sua sequência – quando o depois tem sempre a ver com o antes, quando o passado revive no presente e quando a música nos dá chance de embarcarmos numa nave repleta de brasilidades. Também como no segundo, este terceiro álbum nos atiça a busca pela reflexão.

Ao Pé do Ouvido é muito bem cuidado. E introspectivo, pois que Zé Modesto dá um belo jeito de nos apresentar a brasilidade. CD banhado em sentimentos intensos, ele chega para se tornar referência de uma música que tanto vem do sertão quanto da cidade, que tanto é forte como é singela; tanto é do povo, de todos nós, quanto é do mais solitário dos indivíduos que habitam nas cidades.

Em 2009 encerrei o meu comentário sobre Xiló enaltecendo sua graça. Apenas trocando os títulos, transcrevo-o: “Como a vela que carrega o barco e a brisa que vem e leva tudo ao mar e ao ar, Ao Pé do Ouvido embrenha-se pelo fundo e pela superfície. E o canto e a canção não se fazem de rogados, vão.”

Aquiles Rique Reis, músico e vocalista do MPB4