Mestre Sebe escreveu sua crônica antes do fatídico gol contra do Palmeiras que deu vitória ao Chelsea

O futebol, como a vida, tem seus momentos de cruel ironia. Nenhum deles é tão paradoxal quanto o gol contra – aquele instante em que o gesto mais natural, a tentativa mais sincera de defesa, se transforma em autossabotagem. Esse fenômeno que transcende os gramados revela muito sobre nossa condição humana, sobre como nossas melhores intenções podem, por um capricho do destino, se voltar contra nós.

Foi o que aconteceu naquela noite de 29 de junho de 2025. Erick Pulgar, em um movimento quase reflexo, cabeceou a bola para dentro de sua própria rede durante o jogo entre Flamengo e Bayern de Munique pelo Mundial de Clubes. Aquele lance precoce, aos cinco minutos do primeiro tempo, não foi fruto de incompetência, mas daquele tipo de azar que parece seguir uma lógica perversa: quanto maior a dedicação, mais dolorosa a falha. O silêncio que se seguiu no estádio foi mais eloquente que qualquer vaia – era o som da perplexidade diante do acaso cruel.

O que torna o gol contra tão fascinante – e aterrador – é justamente sua natureza ambígua. Não se trata de um erro comum, como um passe errado. É algo mais profundo e filosófico: é o destino intervindo para nos lembrar que nem sempre o esforço garante o resultado desejado, que nossas ações podem ter consequências diametralmente opostas às nossas intenções. No gramado, o jogador que comete um gol contra é imediatamente tomado por uma expressão de perplexidade. Seus olhos buscam, em vão, uma explicação. Como é possível que um ato de proteção tenha se tornado uma agressão contra si mesmo?

Essa mesma expressão vemos no rosto de um pai que, tentando preparar o filho para as adversidades, acaba por transmitir apenas medo; ou no olhar atônito de um amigo que, movido pelo desejo sincero de ajudar, só consegue piorar a situação. São os gols contra do cotidiano, aqueles momentos em que, apesar de toda nossa boa vontade, o resultado final é exatamente o oposto do que pretendíamos.

A verdade é que os gols contra da vida são ainda mais cruéis do que os do futebol. No estádio, o erro é público, “espetacularizado”, mas também passageiro. O jogador tem a chance de se redimir. Já em nossa existência, esses deslizes involuntários costumam ser silenciosos e solitários, sem plateia para aplaudir nossa recuperação.

Quantas vezes não demos um passo que parecia absolutamente correto, apenas para descobrir, tarde demais, que estávamos caminhando na direção errada? Quantas decisões tomadas com a melhor das intenções se revelaram, com o tempo, como os maiores obstáculos? O empresário que, tentando expandir seu negócio rapidamente, acaba por perdê-lo; o professor que, querendo estimular seu aluno, acaba por desencorajá-lo; o político que, prometendo mudanças, acaba reproduzindo os mesmos erros que criticava – todos são exemplos de como nossas ações podem ter resultados inversos aos pretendidos.

Erick Puigar marcou contra o próprio Flamengo contra Bayern de Munique

O que o gol contra nos ensina é uma lição dupla sobre a condição humana. Primeiro, que o controle absoluto é uma ilusão reconfortante que criamos para nós mesmos. Por mais que nos preparemos, por mais que calculemos cada movimento, sempre haverá variáveis além de nossa compreensão – um vento inesperado, uma bola que toma um efeito imprevisível, um adversário que surge onde não deveria estar. Segundo, e mais importante, que o verdadeiro teste de caráter não está em evitar os erros (pois eles são inevitáveis), mas em como lidamos com eles depois que acontecem.

No futebol, os grandes atletas são justamente aqueles que, mesmo após cometerem um gol contra, continuam jogando com a mesma intensidade, sem se esconder ou diminuir seu empenho. Eles entendem que a partida não acaba com um erro, por mais grave que ele pareça. Na vida, a sabedoria é similar: nossos tropeços não nos definem, mas a maneira como nos levantamos depois deles sim. É a diferença entre quem desiste após o primeiro revés e quem segue em frente, transformando a experiência em aprendizado.

No final, todos nós já cometemos nossos gols contra pessoais. Alguns mudaram jogos importantes, outros passaram despercebidos por todos, exceto por nós mesmos. O que importa, no entanto, não é a bola que já entrou, mas as que ainda estão em jogo. Porque enquanto o juiz não apitar o fim da partida, sempre haverá tempo para virar o placar – desde que tenhamos a coragem de continuar jogando, a sabedoria de aprender com os erros e a humildade de aceitar que, por mais que tentemos controlar o jogo, o futebol – como a vida – sempre reserva surpresas.