Ministro do STF Dias Toffoli com a esposa Roberta Rangel, advogada do grupo J&F

Minar a credibilidade de um país afeta severamente não só a economia, mas a própria democracia 

Quando, em setembro de 2023, o ministro Dias Toffoli carregou nas tintas em seu desagravo ao presidente Lula da Silva e anulou as provas da delação da Odebrecht, pairavam muitas dúvidas sobre as repercussões da sua decisão.

Passados cinco meses, está mais clara a estratégia das empresas e dos executivos que foram pegos nos esquemas de corrupção revelados pela Operação Lava Jato e outras investigações correlatas.

J&F abriu a fila, pedindo suspensão do pagamento de multa bilionária para ter acesso aos dados da Operação Spoofing, e classificando aquele primeiro agrado a Lula (cuja prisão o ministro chamou de “armação”) como “decisão paradigma” por reconhecer os abusos da Lava Jato.

Foi o suficiente para que Toffoli entendesse que havia “dúvida razoável” se os irmãos Joesley e Wesley Batista tinham, espontaneamente, confessado seus crimes e aceitado pagar multa para se livrar deles. Isso a despeito de terem gravado autoridades e não estarem presos quando assinaram os acordos.

Toffoli suspendeu pagamento de multa por parte da J&F

Wesley e Joesley Batista, herdeiros da J&F

Uma vez aceita, a tese vale não só para a J&F (cliente do escritório da mulher de Toffoli), mas para qualquer outra empresa. Não é à toa que a própria Odebrecht também pediu e levou a suspensão da sua multa.

Léo Pinheiro, presidente da OAS naquela época, foi atrás. A fila é grande. São bilhões e bilhões que podem deixar de ser devolvidos aos cofres públicos. Na J&F, R$ 10 bilhões; na Odebrecht, R$ 6,8 bilhões (atualizados); Léo Pinheiro, R$ 45 milhões… e por aí vai.

Importante notar que as empresas não querem rasgar os acordos, porque eles garantem segurança jurídica e permitem participação em licitações públicas. O que elas querem é renegociar valores, e, para isso, os pagamentos suspensos são uma ajuda e tanto na hora de barganhar com as autoridades.

Até agora a Procuradoria-Geral da República (PGR) não recorreu, o caso não foi para a análise da turma, nem ao plenário do Supremo Tribunal Federal (STF). Fica tudo pendurado em cima de decisões de um único juiz.

O principal problema, contudo, nem é o dinheiro que deixará de entrar para o erário. Ao apagar as consequências da corrupção e aliviar a situação de corruptores e corrompidos, o ministro Dias Toffoli deixa um legado de falta de confiança no Brasil.

Não só estrangeiros, mas brasileiros voltam a duvidar da capacidade das suas instituições de investigar e punir. Autoridades preferiram criticar o termômetro e o ministro Toffoli chegou a abrir uma investigação contra a ONG Transparência Internacional, mas minar a credibilidade de um país afeta severamente não só a economia, mas a própria democracia. Já deveríamos ter aprendido com a História.

Artigo publicado como Opinião no Estadão de 06 janeiro