Sua obra foi vivida e sua morte uma forma de resistência atualizada, sem perder a ternura:

Mario Sérgio Conti que o diga

               A Netflix me surpreendeu positivamente com o documentário “Cazuza além da música”. Uma surpresa geral diante da poesia de cada letra de música e da qualidade musical de cada melodia. Enfim, fiquei feliz por conhecer, embora tardiamente, obras que deixei passar em branco por causa da militância política que engolia quase todo meu tempo envolvido em eleição direta, anistia política, criação de um partido político e, quem sabe, uma revolução cada vez mais distante.

Não me recordava da capa da revista Veja em abril de 1989 e muito menos a polêmica matéria que abordava o estado de saúde de Cazuza. Fiquei mais uma vez tardiamente horrorizado com a falta de ética e o sensacionalismo barato e de extremo mau gosto. Fiquei enojado ao saber que a repórter Beatriz Ribeiro, autora da entrevista com Cazuza, ficou chocada com a postura do editor que havia deformado sua matéria. Não vacilou. Pediu demissão e gravou sua versão sobre a deturpação feita pelo diretor de redação que a de forma arrogante teria respondido que ele podia fazer o que bem entendesse com as escritas por repórteres.

Cazuza com Ney Matogrosso, um amor à frente de seu tempo

            Ao ver a revista, Cazuza, magérrimo, pesando apenas 49 quilos, que já vivia debilitado, passou mal e foi levado para hospital, segundo notícias que circulavam na época. Morreu no ano seguinte, em julho de 1990. Mas desmascarou ainda mais as infelizes opiniões, ainda bem, que o editor da Veja registrou naquela edição da revista. O “jornalista” denigre as músicas e as poesias classificadas como de péssima qualidade e que por isso seriam rapidamente esquecidas.

O tempo passou e mais de trinta anos depois as mesmas músicas e letras do artista estão atualizadíssimas. Ao contrário do mau-caratismo de Mário Sérgio Conti que continuou a exibi-lo em outros episódios, como no caso da entrevista com Bruno Daniel, irmão de Celso Daniel, prefeito de Santo André, brutalmente assassinado em janeiro de 2002.

Tudo indica que a integridade profissional nunca foi o forte de Conti. É o que prova, por exemplo, a entrevista com o cientista político Bruno Daniel, irmão de Celso Daniel, em 2012, por ocasião do décimo aniversário de seu assassinato que nunca foi solucionado e que envolveu dirigentes petistas e marginais de diferentes naipes.

Na entrevista realizada no programa Roda Viva na TV Cultura, Conti realizou um processo de linchamento contra Bruno Daniel. O entrevistado foi desclassificado e colocado em terceiro ou quarto plano o fato de ele, Bruno, ter testemunhado passagens contundentes que envolviam lideranças petistas.

Irmão de Celso Daniel no programa Roda Viva da TV Cultura

Assisti mais de uma vez, sempre enojado, essa entrevista. Nunca entendi o motivo ou motivos que levaram Conti a essa exibição pública de absoluta falta de caráter e ética profissional. Nem a famigerada Jovem Pan, porta-voz assumida da extrema direita, conseguiu a proeza transformar a vítima em réu como fez Mário Sérgio Conti.

Sugiro àqueles que têm algum interesse nesse tema ou, como eu, apenas conhecer a qualidade da produção de Cazuza, basta acessar o filme “Cazuza, além da música” disponível na Netflix para descobrir que o artista se chamava Agenor que começou profissionalmente com o Barão Vermelho, que vivia entre a praia, o teatro e o rock, que transformou suas paixões em poesia e sua rebeldia em voz.

E uma curiosidade: o documentário foi produzido pelo Globoplay, da rede Globo que emprega Mário Sérgio Conti na Globo News, desnudado na própria obra produzida pelo grupo. Vale a pena conferir!!