Sabe aquela pessoa que, se fosse personagem de filme, seria a vilã, mas no final você acaba torcendo pra ela? Ou aquele quadro que, de tão estranho, fica grudado na sua memória? Pois é, a arte tem um talento especial para pegar o que o mundo rejeita e transformar em algo que a gente não só aceita, mas admira. E o mais engraçado? A gente nem vê chegar.
Um dia você está evitando olhar para o corcunda no livro de história, no outro está emocionado com a pureza de Quasímodo. Victor Hugo fez a proeza de nos fazer esquecer a corcunda e enxergar apenas a alma do sujeito. É como se a arte dissesse: “Você acha que isso é feio? Espera só um pouco que eu te ensino a ver direito.” E assim, sem aviso, você se pega torcendo por um cara que, na vida real, faria você desviar o olhar no metrô.
A Fera é outro caso clássico. No começo, ela é só um urso mal-humorado com problemas de pele. Mas aí a Bela chega, descobre que ele é um leitor voraz (homem que lê é charme puro) e, de repente, a gente está torcendo pelo romance mais improvável dos contos de fadas. A arte nos convenceu de que dentes afiados e pelos demais são detalhes perto de um coração que derrete com poesia.
E não podemos falar de feiura redimida sem citar o ogro mais amado do cinema. Shrek não só abraçou sua “ogrice” como a transformou em estilo de vida. Ele é verde, vive num pântano, come coisas nojentas e ainda assim é mais carismático que metade dos príncipes encantados. Quando Fiona vira ogra no final, a mensagem é clara: perfeição é chato. O negócio é ser feliz com quem você é – mesmo que isso signifique soltar gases ou arrotar no jantar.
Os artistas medievais e renascentistas adoravam um bom monstro. Hieronymus Bosch pintava diabos tão bizarros que davam pesadelo, mas eram tão cheios de detalhes que você ficava hipnotizado. As gárgulas das catedrais, com suas caras torcidas, tinham um emprego nobre: assustar os maus espíritos. Ou seja, eram feias, mas úteis – tipo um porteiro bravo que protege o prédio.
Velázquez, o pintor espanhol, olhou para os anões da corte – figuras que a nobreza tratava como piada – e viu dignidade. Seu retrato do Anão Don Sebastián de Morra não é sobre piedade; é sobre presença. O sujeito está ali, inteiro, com um olhar que desafia: “Pode me achar feio, mas eu existo, e minha história importa.” A arte tem esse poder: pegar o que o mundo ignora e dizer: “Olha só o que você está perdendo.”
O cinema moderno continuou a tradição. Gollum, de O Senhor dos Anéis, é nojento, traiçoeiro e patético – e ainda assim um dos personagens mais fascinantes da trilogia. A gente sabe que ele vai trair todo mundo, mas torce por ele mesmo assim. Tim Burton fez carreira celebrando os esquisitos: Jack Skellington, o esqueleto depressivo que quer roubar o Natal; Edward Mãos de Tesoura, o rapaz que não pode sequer abraçar quem ama. Até a Mulher-Gato da Michelle Pfeiffer, com seu traje costurado à mão e ódio por homens, virou ícone de estilo.
A arte está pouco se lixando para o que é considerado bonito ou feio. Ela pega o estranho, o exagerado, o assustador, e nos faz amar. Por quê? Porque ela nos mostra que beleza não é uma fórmula. Pode estar na coragem de Quasímodo, na lealdade da Fera, na honestidade de Shrek, ou até na tragédia de Gollum.
No fim, a arte é aquela amiga que chega com um copo de vinho duvidoso e diz: “Experimenta antes de criticar.” E a gente, relutante, experimenta – e descobre que gosta. Ela nos ensina que feiura e beleza são só pontos de vista, e que o verdadeiro charme está naquilo que quebra as regras.
Então da próxima vez que você vir algo “feio” – num museu, num filme, na rua – pare um segundo. Dê uma chance. Pode ser que aquela criatura de nariz torto ou pele verde esteja a um passo de virar seu novo preferido. Afinal, como diria o próprio Shrek: “Melhor ser um ogro autêntico que um príncipe sem graça.” E a arte, essa malandra, concorda plenamente.
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