Manifestações esvaziadas nostram que entender as novas demandas do trabalhador do século 21 é questão de sobrevivência para as ideias democráticas e socialistas, e obviamente para sindicalistas e políticos do século passado

A data é um bom momento para se refletir sobre democracia e liberdade. Recordando. Em 1886, os trabalhadores norte-americanos tomaram as ruas, junto da Federação Americana do Trabalho – a maior central operária norte-americana – e iniciaram um protesto que levaria dias. Jornada de trabalho para oito horas de trabalho diárias e melhores condições de trabalho nas indústrias eram duas das principais reivindicações.

O protesto tomou forma. Na noite do dia 4, as tensões aumentaram. Um confronto com a polícia causou a morte de 11 pessoas e dezenas de feridos. A notícia da manifestação chegou em todo o mundo. Em 1889, a Segunda Internacional Socialista definiu o dia do início do protesto – 1º de maio – como o Dia do Trabalho e não 14 de julho como queriam os franceses.

A partir de 1938, o Estado Novo começa a valorizar a ideia de trabalho, fazendo grandes passeatas pelo Rio de Janeiro. A festa passa a ter um tom pedagógico ao valorizar quem trabalha. Getúlio Vargas se utiliza dos grandes discursos, reforçando sua ideia de proximidade com o povo. Em 1940 criou o salário mínimo reajustado anualmente nessa data, além do imposto sindical em que os trabalhadores são obrigados a doar um dia de salário anual e os patrões com base no capital social declarado no ano anterior.

Trabalhadores americanos nas ruas de Chicago, em 1886

Em 1943, promulgou a Consolidação das Leis Trabalhistas, a CLT. A estrutura sindical criada era corporativa, de sindicato único, com forte controle pelo Estado que até hoje mantém suas marcas. Os sindicatos de trabalhadores e patronais teriam a mesma estrutura, precisavam ser reconhecidos pelo governo, o que garantia a eles a cobrança do imposto sindical. Uma legislação de inspiração fascista, embora já houvesse sinais que levaram a derrota o fascismo italiano e o nazismo alemão.

Essa estrutura se manteve até recentemente, embora provocasse marcas profundas no movimento sindical nos anos 1970 e 1980. No movimento operário, a divisão era marcada peloo imposto sindical, que garantia a manutenção das entidades de classe independente de sua representatividade. No meio patronal, os recursos foram empregados para a criação do sistema S que compreende nove entidades com destaque para o Senai – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial; Sesc – Serviço Social do Comércio, Sesi – Serviço Social da Indústria; e Senac – Serviço Nacional de Aprendizagem do Comércio (Senac).

Na luta contra a ditadura duas correntes sindicais de trabalhadores se digladiavam. De um lado, os chamados “combativos” ou “autênticos” que pregavam independência sindical em relação ao Estado. Para os “combativos”, a democracia operária seria definida pela sua representatividade que garantiria sua auto-sustentação independente, através de contribuições sindicais voluntárias e não compulsórias. Por outro lado, os sindicalistas denominados de “pelegos” pelos “combativos”, acomodados com os recursos oriundos do imposto sindical, fugiam de qualquer compromisso que colocasse em risco sua situação de dirigente sindical.

Lula e Luiz Marinho, ministro do Trabalho e cria do então líder sindical

José Dirceu, porta voz informal (oficial?) da corrente majoritária do Partido dos Trabalhadores, publicou uma crônica “A longa jornada do sindicalismo brasileiro” onde defende implicitamente o imposto sindical ao reconhecer que “Durante os anos recentes, as forças conservadoras e de direita impuseram mudanças significativas nos direitos trabalhistas e mais ainda na própria liberdade e autonomia sindical. Isso ocorreu, via Congresso Nacional, na reforma trabalhista liderada pelo governo golpista de Michel Temer [que provocou] o desmonte dos sindicatos pelo fim do imposto obrigatório sindical…

Traduzindo, o PT, que comungava com a democracia operária no que diz respeito a autonomia do movimento sindical e popular garantida com recursos próprios, aderiu ao controle dessa iniciativa, quando mantém seu atrelamento ao Estado (governo?). Na minha opinião, revela o conceito de democracia embutido nessa proposta que passou batido em quase duas décadas de governo petista.

O 1º de maio desse ano é emblemático. O evento já deu dias de glória ao sindicalismo no país. Dinheiro em caixa graças ao imposto sindical, as centrais promoviam megaeventos. A Força Sindical, em 2009, juntou mais de um milhão de pessoas, atraídas por shows e sorteios de carros. Foi num 1º de maio que o presidente anunciou a descoberta de petróleo no pré-sal, em 2008.

Lobista José Dirceu tenta retornar à política institucional depois do Mensalão

A realidade agora é outra. Os sindicatos perderam receita e filiados e não despertam o interesse de novas gerações. Com o fim do chamado imposto sindical, a arrecadação total da CUT caiu 80%. A contribuição obrigatória passou de 62,2 milhões de reais em 2017 para 441 539 reais no ano passado.

Chico Vigilante, ex-deputado federal pelo PT e fundador da CUT, não esconde a situação ao declarar que “o imposto sindical era um vício. Os caras não precisavam fazer nada e tinham aquele dinheiro sagrado ali”. Só em 2017, no último ano de vigência do imposto foram arrecadados R$ 3,6 bilhões

O projeto de regulamentação do trabalho por aplicativos é um exemplo. A proposta empacou no Congresso. Diante do fracasso, o ministro Luiz Marinho tem preferido atacar as empresas e as novas tecnologias, ignorando mudanças geracionais e econômicas.

Os espaços vazios na arena do Corinthians, onde foi comemorado oficialmente o 1º de Maio com a presença de Lula e nove ministros, indicam ao governo e aos dirigentes sindicais que o mundo do trabalho passa por intensa transformação, acelerada pela inteligência artificial.

Entender as novas demandas do trabalhador do século 21 é questão de sobrevivência para as ideias democráticas e socialistas, e obviamente para sindicalistas e políticos do século passado.